Crítica


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Sinopse

Trabalhador do campo, Anthony se sente desprezado pelo pai. Frustrado diante das constantes ameaças paternas, Anthony vai encontrar um alento na vizinha que é apaixonada por ele.

Crítica

O que há de mais de surpreendente em Além das Montanhas é descobrir que se trata de uma história dirigida pelo mesmo cineasta de Dúvida (2008). Afinal, os dois longas não poderiam ser mais diferentes um do outro: tudo que há de sisudo e econômico do drama estrelado por Meryl Streep desaparece nesse seu trabalho seguinte. John Patrick Shanley ganhou o Oscar como roteirista, mais de três décadas atrás, pela comédia romântica Feitiço da Lua (1987) – uma vitória bastante questionável, mas mesmo esse filme era superior a essa tentativa atual. Na sua filmografia, talvez o que mais se aproxime ao que agora ele entrega é sua estreia como realizador, o malfadado Joe Contra o Vulcão (1990), que só é lembrado até hoje por ter marcado o primeiro encontro das telas da dupla Tom Hanks e Meg Ryan. Essa ingenuidade e aparente falta de ligação a uma verossimilhança urgente, tão típica do cinema hollywoodiano do final do século XX, segue vigente em seu olhar, resultando em uma obra anacrônica e ultrapassada.

Os tropeços começam antes mesmo do início da trama. Afinal, foram escalados como protagonistas Jamie Dornan, o galã da trilogia 50 Tons de Cinza, e Emily Blunt, que há pouco viveu a emblemática personagem-título de O Retorno de Mary Poppins (2018). Pois os dois, ícones de charme e beleza, estão em cena como fazendeiros do interior da Irlanda que sempre viveram da terra e dela fazem questão de não se afastar, recusando qualquer tentativa de contato com um mundo mais moderno e tecnológico. A questão é que, além de um parentesco entre eles, moram em fazendas vizinhas. Se conhecem desde crianças, e parecem terem sido feitos um para o outro. Ou seja, não convencem como pessoas do campo, como também não servem como um casal desajeitado, cujo único problema é a incapacidade de um em se declarar para o outro.

Sim, pois Além das Montanhas é um drama romântico que simplesmente não possui conflito. O que se vê no começo, e se imagina como provável desenrolar, é exatamente com o que o espectador irá se deparar pelos próximos noventa minutos. Como prólogo, uma narradora (Rosemary, personagem de Blunt) declara de imediato estar apaixonada por Anthony (Dornan) desde que se entende por gente. Só que ele gostava, quando criança, da irmã dela, mas ao assumir sua paixão, acaba virando motivo de chacota por ter sido picado por uma abelha no nariz, e este ter ficado inchado e vermelho. Essa fútil decepção serve como gatilho no enredo para um trauma que irá acompanhar esse homem por toda a sua vida, a ponto de torná-lo incapaz de se aproximar da única mulher disponível em toda a região. E o fato dessa ser a Emily Blunt, com uma peruca ruiva deslumbrante e praticamente se atirando aos seus pés, parece não fazer muita diferença para ele.

Há outros desencontros na realização. Um que foi bastante apontado pela imprensa irlandesa quando no lançamento do projeto por lá foi o festival de sotaques defendidos pelos atores. Se diferenças entre Dornan e Blunt são perceptíveis, mas ainda assim toleráveis, pior é a participação do veterano Christopher Walken, que surge como um senhor irlandês preocupado com sua herança e a manutenção de suas terras na família, mas que fala como um malandro de Nova Iorque. Outro que repete o mesmo tipo de sempre é Jon Hamm, que surge lá pelas tantas como o primo norte-americano que deveria servir de ameaça ao futuro de Anthony, lhe retirando tanto a fazenda quanto a futura noiva, mas nunca chega a se impor como tal, terminando mais como uma distração do que como um perigo de fato.

Por mais bonito que sejam os cenários fotografados e o deleite proporcionado pelas presenças de Emily Blunt e Jamie Dornan, ambos mereciam material melhor para dedicarem seus esforços. O título original, Wild Mountain Thyme, é traduzido em uma canção entoada pelos protagonistas como o “tomilho selvagem das montanhas” que deve ser colhido apenas por casais apaixonados. E, supostamente, esse amor deveria ser tão forte a ponto de superar os obstáculos do caminho. Em Além das Montanhas, no entanto, esses inexistem. Tudo o que se vê na narrativa, além do desfecho óbvio e previsível, ressente também de credibilidade, uma vez que se mostra idealizado e artificial além do aceitável. E sem conexão, não há filme – mesmo com a melhor das intenções – que se sustente.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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