Sinopse
Lola tem 16 anos e está se preparando para compensar certas matérias da escola, mas as coisas mudam quando surge a oportunidade de estudar na Alemanha por um semestre. Lola quer realizar a viagem, mas a sua família é contra.
Crítica
Lola (Maite Aguilar) é uma adolescente argentina nos anos 1990. A época é denunciada, sobretudo, pelo walkman que a jovem utiliza de vez em quando para se isolar do mundo com a ajuda de suas trilhas sonoras favoritas. Como qualquer pessoa de sua idade, Lola vivencia um misto de medo e ansiedade diante das possibilidades futuras, mais precisamente da vida adulta emancipada da sua família classe média. A cineasta María Zanetti dá algumas pistas sobre a crise econômica real da Argentina nesse período, especialmente tendo em vista que os pais da protagonista estão às voltas com problemas financeiros que os levam a colocar a casa à venda. No entanto, Alemanha se distancia daquela vertente das produções de nossos hermanos que retratam personagens necessariamente a partir dessa fragilidade monetária que os ameaça, ou seja, não pretende contribuir para um painel social da época. A realizadora sugere essa tensão ampla, porém não abre a sua narrativa para abraçar mais do que os dilemas comuns da menina. Lola deseja fazer intercâmbio na Alemanha, mas para isso precisa recuperar o tempo perdido na escola (reprovou em seis matérias) e ainda lidar com a falta de dinheiro familiar para realizar o seu desejo. Ela é uma garota que deseja experimentar de tudo antes mesmo de se tornar adulta, embora nem haja, tampouco, grande ênfase nessa urgência do crescer o mais rápido possível.
Tendo em vista que a carência financeira é um dos entraves para a protagonista realizar o seu grande desejo nessa fase de transição, é ainda mais estranho que María Zanetti não se interesse pela crise social que obriga os pais da protagonista a medidas drásticas e privações. A falta de dinheiro que obriga Lola a entregar panfletos para vitaminar as suas economias nunca se transforma num problema de considerável intensidade dramática em Alemanha. É mais um obstáculo entre tantos. Levando em consideração que o longa é baseado em experiências pessoas da diretora, fica ainda mais latente a sensação de que ela está construindo um filme de dentro para fora, ou seja, que prioriza sempre os sentimentos da menina e nunca a observa a fundo como parte de contextos (familiares, sociais, políticos, econômicos, etc.). E poderia se muito interessante essa abordagem da protagonista como uma ilha de difícil comunicação com as demais porções de terra ao redor, isso se María conseguisse enfatizar as sensações de isolamento e solidão. A isso ela prefere atender a praticamente todos os lugares comuns dos chamados coming of age, os filmes de amadurecimento que são tão comuns na cinematografia norte-americana, cujos modelos são aqui levemente adaptados para caber em outra cultura. A priori, nada contra os clichês, desde que haja clara consciência da sua utilização como um gesto.
Lola tem dificuldades com os pais (embora eles sejam afetuosos e moderadamente rígidos), mas essa tensão jamais atinge algum ápice emocional/psicológico. Ela precisa estudar para seis matérias, mas nunca a possibilidade de uma reprovação é tratada como algo sério, ou seja, esse contratempo é quase inofensivo. Em certo momento, Lola briga com a melhor amiga, se aproxima de outras companhias que parecem mais “adultas”. Porém, o distanciamento poucas vezes é enxergado na história como algo relevante, nem mesmo enquanto agravante à situação atual da menina. Lola observa os problemas de sua irmã mais velha acometida por distúrbios de ordem psiquiátrica, mas essa dinâmica entre elas poucas vezes é encarada como algo literal ou simbolicamente interessante para compreendermos melhor as turbulências adolescentes na viagem à vida adulta. María fica num meio termo entre utilizar as convenções desse tipo de filme e tentar subverter algumas expectativas. Todavia, em nenhuma das propostas é bem-sucedida por conta da falta de intensidade dramática das costuras narrativas. Espera-se a cólera paterna depois que Lola coloca um piercing sem autorização ou depois de um incidente envolvendo o que deveria ter sido apenas um breve passeio de automóvel. É louvável que María não nos ofereça o esperado, mas para o movimento ser efetivo ele precisaria vir acompanhado de algo.
Alemanha é um filme que ecoa tantos outros, mas também algumas experiências juvenis que parecem universais. Afinal de contas, quem nunca se rebelou contra os pais, procurou abrigo em novos cenários, almejou ser desejado como forma de se entender adulto ou mesmo nem sempre teve a empatia suficiente diante dos problemas dos outros? Então, María Zanetti consegue reproduzir bem essas sensações e indagações que encontrarão ressonância nas nossas experiências juvenis, mas falha ao transformar esses itens que nos unem emocionalmente numa experiência cinematograficamente instigante. O grande problema do filme é justamente a prioridade àquilo que vem da ordem do comum em detrimento do que particulariza a história da protagonista – o cenário socioeconômico da Argentina, a condição mental da irmã, a demanda de intercâmbio para um país europeu, a personalidade de Lola, etc. Provavelmente, María tenha caído na armadilha sempre muito perigosa do “fazer um filme pessoal”, colocando em primeiro plano a representação de questões comuns que possivelmente a atormentaram no período citado, mas perdendo a chance de rever a própria história a partir da abertura do olhar aos contextos, ao que poderia motivar o interesse por aqui que permanece ao redor, no outro. O resultado é um coming of age sem muita personalidade e comprometido com as convenções.
Filme visto no 33º Cine Ceará, em novembro de 2023.
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