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Sinopse

John é um limpador de vidros dedicado a cuidar do filho depois que a mãe da criança os abandonou. Ao descobrir que tem poucos meses de vida, ele vai tentar encontrar uma família para acolher o menino.

Crítica

Há uma expressão em inglês, pouco comum no Brasil, que é “guilty by association”, ou seja, culpado por associação, alguém que leva a culpa, ou o mérito, apenas por estar próximo, no lugar certo e na hora certa. Esse poderia ser o caso do diretor Uberto Pasolini, que a despeito do sobrenome, possui outras ligações de igual peso: é sobrinho de Luchino Visconti e casado com a compositora Rachel Portman, vencedora do Oscar pela trilha sonora de Emma (1996). Uberto, aliás, também já foi indicado ao prêmio máximo do cinema, quando concorreu a Melhor Filme pela produção da comédia Ou Tudo Ou Nada (1997) – um azarão que perdeu a estatueta dourada para nenhum outro do que o arrasa-quarteirão Titanic (1997). Ou seja, se poderia esperar, no mínimo, um talento superlativo por parte do cineasta. Mas o que se percebe em Algum Lugar Especial, sua terceira incursão como realizador, é uma obra sensível, mas ainda assim por demais discreta, que parece satisfeita por fazer apenas o esperado, quando poderia – e havia espaço – para um pouco mais de ousadia.

Algum Lugar Especial trata de um tema difícil, e de complicada abordagem quando ligado ao universo infantil: a morte e o abandono. Com basicamente apenas dois personagens em cena, se ocupa de quase toda a sua narrativa na busca desse destino citado no título. John está morrendo. Ele está ciente disso. E também das suas responsabilidades. E a maior delas é o filho, Michael, de apenas 3 anos. Os dois só possuem um ao outro no mundo. O que será do pequeno, portanto, quando o adulto não mais estiver ali? É por isso que grande parte dos eventos vistos pelos espectadores são reuniões e encontros do pai e da criança com assistentes sociais e possíveis candidatos a adotarem o menino. Famílias, casais e até mesmo pessoas solteiras dispostas a assumir a educação e criação do garoto, a partir do momento em que John já tiver partido. Como se pode perceber, esse não é um filme de grandes momentos esfuziantes e de alegria transbordante.

O que não quer dizer, também, que seja uma história depressiva e sorumbática. Aliás, Pasolini, como dito acima, é hábil em manter um equilíbrio no tom adotado durante o desenrolar da trama com a qual se ocupa. Não há atenções demasiadas a lamentos e comiserações, instantes de nostalgia exacerbada e revoltas e protestos contra um fim que, mais do que aguardado, está também sendo preparado. Pai e filho estão na maior parte do tempo juntos, um aos poucos se entregando, ao mesmo tempo em que o outro vai se dando conta do que está prestes a acontecer. Nos poucos momentos nos quais aparecem separados, John se ocupa com uma rotina como lavador de janelas. Essas passagens servem tanto para um vislumbre pelas vidas dos demais, as múltiplas possibilidades às quais ele não teve acesso – mas que podem estar ao alcance do seu herdeiro, caso faça a escolha certa – como também no cada vez mais escasso exercício de empatia. Quem o contrata não tem ideia pelo que está passando. Mesmo assim, se alguns conseguem lhe oferecer um consolo quando os planos do dia dão errado, por que outros insistem em exibir apenas o que há de pior em si?

James Norton não é conhecido por ser um ator dos mais versáteis – aliás, nem mesmo é muito popular. Após ter passado por filmes como A Sombra de Stalin (2019) e Adoráveis Mulheres (2019), se destacou na recente série The Nevers (2021). Aqui, no entanto, não há muitas distrações no caminho dele, sejam efeitos especiais ou elencos numerosos. Sua responsabilidade, portanto, aumenta, e se sai relativamente bem do desafio ao qual se propôs. Por mais que possa soar apático ou até mesmo indiferente em certas situações, as mesmas poderiam se encaixar ao processo pelo qual seu personagem está atravessando. Ainda assim, há instantes de pesar e de um luto muito íntimo que permite transparecer, sem fazer desses sentimentos um catalizador de atenções. Esse esforço é exibido na medida certa, um feito tanto para ele como também para o filme.

O outro lado dessa mesma moeda é a performance do jovem Daniel Lamont. Se no começo o garoto aparenta estar apenas obedecendo comando externos, sem muita naturalidade, aos poucos vai se soltando e encontrando sua valia nesse contexto. É pelos dois, Norton e Lamont, que Algum Lugar Especial termina por se mostrar uma jornada pertinente, a despeito de qualquer boa intenção envolvida. As visitas aos possíveis novos pais e mães resultam esquemáticas, quase padronizadas – os ricos, os robotizados, a de coração afetuoso – a ponto de anunciar sua conclusão sem muito alarde nem surpresa. O que não chega a ser um demérito, uma vez que está claro um interesse maior pelo processo do que pelo fim ao qual se direciona. Afinal, esse, seja na ficção ou na vida real, é o mesmo para todos, algo que ninguém no mundo todo consegue mudar. Isso que é preciso ter em mente, tanto pelos passos dados até aqui, como por aqueles que seguirão mesmo na ausência daquele que iniciou a caminhada.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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