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Sinopse

Alice se vê obrigada a trabalhar como cantora para sustentar seu filho pequeno após a morte repentina de seu marido. Nesse processo de reconstrução, ela se envolve com um homem casado e agressivo.

Crítica

É um grande êxito, além de demonstração de talento e de versatilidade, perceber que quem assina a direção de Alice Não Mora Mais Aqui é Martin Scorsese, um dos cineastas mais ‘masculinos’ – se é que é possível usar essa expressão – do cinema hollywoodiano. Afinal, este filme é um libelos da emancipação feminina – e do feminismo como movimento em si – no início dos anos 1970. Trata-se, em última instância, de uma obra símbolo de uma época, e que se ainda hoje ressoa com destacada relevância sobre a proposta que defende, é de provocar questionamentos em qualquer um que não vivenciou aquela época o quão significativo seu lançamento deve ser sido diante centenas de milhares de espectadoras, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo.

No ano de 1973, Ellen Burstyn protagonizou o filme que consagraria seu status como um das maiores estrelas de Hollywood da época: O Exorcista, de William Friedkin. O épico aterrorizante faturou mais de US$ 400 milhões nas bilheterias e obteve várias indicações ao Oscar, inclusive à Melhor Filme e Atriz. Com a condição recém conquistada, ela pode escolher seu próximo projeto, e sua primeira opção foi Alice Não Mora Mais Aqui, justamente por acreditar que se tratava de um roteiro que poderia fazer diferença na sociedade. Para tanto, ela buscou um dos jovens talentos que começavam a despontar no cinema norte-americano, alguém cheio de vigor e novas ideias. Sua reação inicial foi ligar para Francis Ford Coppola, mas esse, já ocupado com a sequência de O Poderoso Chefão (1972), indicou um dos seus melhores amigos: Martin Scorsese. Ao questioná-lo sobre o que ele sabia sobre as mulheres, para ter certeza de que estava à altura de contar essa história, Burstyn ouviu como resposta: “nada, mas estou disposto a aprender”. E foi, para ela, o que bastou.

Alice Hyatt é uma mulher igual a tantas outras. Casada, nem feliz, mas também não necessariamente infeliz, vai levando a vida ao lado do filho inquieto, ambos lidando com os constantes destemperos do marido. Até o dia em que ele morre num acidente de trânsito, deixando-a literalmente com uma mão na frente e outra atrás. Este fato, crucial em sua jornada, irá determinar para onde seguir: ficar no mesmo lugar de sempre e seguir reclamando de tudo ou ir adiante em busca do que sempre sonhou. E assim, recém viúva e com uma criança para criar, ela se joga no mundo, abandonando a pequena cidade em que viviam e determinada a vencer como cantora – “a única coisa que sei fazer bem”, acredita. Mas é claro que nem tudo será tão fácil assim.

Se a oportunidade de cantar num bar lhe surge após muita insistência, a mesma rápida solução não aparece no lado pessoal. E entre um amante que lhe traz mais perigos do que prazeres e uma carência de melhores condições para sua pequena família, ela decide ir em frente, determinada a conseguir o melhor. O que ela aos poucos irá perceber, no entanto, é que será preciso deixar de lado aquela mulher idealizada – talvez mimada, pouco experiente e ingênua – para, enfim, obter a habilidade necessária para alcançar o que se busca. E será ao assumir a função de garçonete num bar de beira de estrada que sua história irá, finalmente, tomar o rumo que sempre desejou. Burstyn – merecidamente premiada com o Oscar pelo desempenho – defende com gosto essa personagem, representando o sonho de tantas que, mesmo sem apoios ou muletas, lutaram para ser felizes, deixando para trás medos, inseguranças e preconceitos.

Martin Scorsese tem em Alice Não Mora Mais Aqui talvez seu filme mais estranho à sua filmografia. Com certeza o era no momento em que foi lançado. E se o tom de conto de fada inicial – a primeira cena é uma óbvia homenagem a O Mágico de Oz (1939) – é logo descartado, logo fica claro que somente com o pé fincado no chão e a cabeça voltada para os problemas do dia a dia que nossa protagonista poderá se sentir plena, respondendo por si e ninguém mais. Títulos como A Época da Inocência (1993) e Cassino (1995) até se valerão, muito tempo depois, de fortes personagens femininos, mas invariavelmente como forças destrutivas. Aqui, pelo contrário, será através dela que os homens irão circular, como planetas em órbita, nutrindo-se de sua força e fazendo bom uso de sua luz. Um filme marcante, referencial e, acima de tudo, historicamente imprescindível.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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