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Sinopse

Marcia busca quebrar o silencia da família sobre quem foi Salvador Allende, presidente socialista derrubado por um golpe de Estado. Muito além do político e do marco de transição, ela busca conhecer quem foi o seu avô.

Crítica

À diretora Marcia Tambutti Allende não interessa revolver o passado de Salvador Allende como figura notável. Presidente chileno deposto em 11 de setembro de 1973 pelo golpe militar, ele entrou para a história como símbolo da luta pela democracia. Marcia não demonstra necessidade de saber ainda mais sobre o dirigente, também porque a trajetória pública dele está impressa em livros e outros documentos que hoje, felizmente, preservam e fazem jus ao seu legado. Marcia sente falta do avô com quem não pôde conviver. Ademais, a dor daqueles dias de chumbo criou um incômodo silêncio doméstico. Allende Meu Avô Allende busca restituir à imagem do estadista sua dimensão íntima, de homem de família, por meio de fotografias, vídeos e depoimentos de pessoas que o conheceram na informalidade.

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Quebrar o silêncio, principalmente dos mais velhos, é uma tarefa difícil, já que feridas são reabertas quando acessado o recôndito da memória. Entrevistada já com mais de 90 anos, a viúva de Allende, mesmo debilitada fisicamente, apresenta impressionante capacidade de recordar fatos marcantes, externando nesse processo algumas impressões muito particulares a respeito da relação de cumplicidade mantida por décadas com o político. As derrotas eleitorais, as dificuldades, inclusive financeiras, de campanha, surgem na fala dessa mulher, cujo olhar distante denota o peso de lembrar episódios de uma vida calejada. Há bastante espontaneidade nos relatos, algo certamente facilitado pelo pertencimento da diretora à família, mas possível sobremaneira por sua capacidade de extrair cuidadosamente dos parentes algumas sensações e opiniões até então interditadas.

Allende Meu Avô Allende é uma tentativa de refazer, literal e metaforicamente, o álbum dos Allende, tendo Salvador, carinhosamente chamado Chicho, como pedra fundamental. Marcia alinhava as falas sem tencionar ao próprio isolamento emocional ou à utópica isenção, inclusive expondo-se insegura e ansiosa muitas vezes. A frustração se insinua sempre que conversas são interrompidas pela impossibilidade dos interlocutores irem adiante, quando alguém se recusa a continuar mergulhando fundo no baú de reminiscências que ora provocam sorrisos, ora melancolia. Em dado momento, a prima mais próxima de Marcia pergunta o que a levou a fazer este filme, a exumar o foro íntimo de um personagem tão notório como Salvador Allende e, por conseguinte, de sua família. A rápida sequência de confusão, silêncio e confissão escancara a bem-vinda busca interna por respostas, bem como um amplo envolvimento afetivo.

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Elementos utilizados com inteligência e sensibilidade, as fotografias ilustram, enquanto os vídeos convidam ao movimento. Allende Meu Avô Allende é um documento emotivo, pois a investigação da intimidade dos Allende expõe uma série de questões importantes a todos em cena. Não são evitadas nem mesmo as áreas cinzentas, como, por exemplo, os casos extraconjugais de Allende e o desgosto da avó resignada. Para Marcia é, primeiro inevitável, depois imprescindível, cobrir todos os aspectos possíveis de Allende, nessa reconstrução proporcionada pelo cinema e seus dispositivos, sobretudo como forma de ressaltar a faceta humana da figura simbólica. De grão em grão, a diretora estuda, também, a história de sua linhagem, passando a conhecê-la e a compreendê-la melhor. Longe de ser um acerto de contas, o filme é um belo inventário desenhado sem condescendência e com muito afeto.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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