Crítica

Depois dos ótimos Alta Fidelidade (2000) e Um Grande Garoto (2002), era de se esperar que houvesse uma enxurrada de filmes baseados em obras de Nick Hornby nos cinemas. Só o displicente Amor em Jogo (2005) foi realizado, colocando a perder um texto ótimo, que já havia sido transformado em longa-metragem na boa produção britânica Febre de Bola (1997). Quase dez anos depois da última adaptação (o indicado ao Oscar Educação, de 2009, não conta, roteirizado diretamente para as telonas), chega aos cinemas Uma Longa Queda, longa-metragem dirigido pelo francês Pascal Chaumeil, baseado no livro homônimo lançado em 2005. O filme tenta emular alguns pontos da inventiva narrativa do romance, mas não consegue fazer o principal: aprofundar os personagens para que entendamos o que os levou ao encontro que dá origem a toda história. Pecado capital em um filme que é salvo pelas performances dos atores.

Na trama, assinada por Jack Thorne, conhecemos quatro pessoas que sobem no alto do mesmo prédio no último dia do ano para terminarem com suas vidas. São eles: Martin Sharp (Pierce Brosnan), um famoso apresentador de tevê que, depois de um escandaloso caso extraconjugal com uma menor de idade, é preso, deixado pela esposa e humilhado por seu público; Maureen (Toni Collette), mãe de um jovem com necessidades especiais, vive para cuidar do filho e percebe que o fardo é pesado demais para carregar; Jess Crichton (Imogen Poots), filha de um político proeminente, é amalucada e guarda uma ferida em seu passado pela ausência da irmã – ou melhor, o que a falta dela representou em sua família; J.J. (Aaron Paul), entregador de pizzas, músico nas horas vagas, afirma ter um câncer inoperável no cérebro e, por esta razão, teria pensado em tirar sua vida. Estas quatro pessoas completamente diferentes acabam se conhecendo num momento impactante e prometem não cometer suicídio até o próximo dia dos namorados – segunda data mais propensa a isso, depois do réveillon. A amizade que surge entre os quatro pode salvá-los, ou colocá-los novamente no olho do furacão.

Nick Hornby fez de Uma Longa Queda um interessante romance ao contar a história sob o ponto de vista dos quatro protagonistas – algo que ele já havia feito com maestria em Um Grande Garoto e seus dois personagens centrais. Ou seja, cada capítulo de Uma Longa Queda tinha como narrador um dos quatro suicidas em potencial, contando a história sob seu prisma, desenrolando a trama ao mesmo tempo em que nos revelava algo sobre sua personalidade. Pascal Chaumeil parece tentar fazer o mesmo, mas não acredita na ideia até o fim. Os nomes de Martin, Maureen, J.J. e Jess são colocados em destaque em meio ao filme, com cada um virando uma espécie de narrador por meros dois minutos. Era de se pensar que o personagem em questão tivesse maior destaque logo depois, mas não é o que acontece. É uma perfumaria colocada por Chaumeil para remeter ao livro, sem qualquer função no filme.

Como não tem o tempo para aprofundar as personalidades de seu quarteto, o roteiro de Jack Thorne pincela as razões que levaram aquele recém-formado grupo a tentar o suicídio, sem muito sucesso na empreitada. Felizmente, o elenco foi extremamente bem escalado e consegue entreter mesmo com um roteiro raso. Pierce Brosnan se mostra bastante à vontade como o autocentrado Martin Sharp, enquanto Imogen Poots irradia uma simpatia agressiva, por mais estranho que isso possa soar. Aaron Paul carrega nas tintas para viver o taciturno J.J., sujeito que esconde seus reais motivos para tentar o suicídio, estando bastante diferente de seu papel mais famoso, no seriado Breaking Bad. Por sua vez, Toni Collette encarna a segunda personagem suicida em potencial escrita por Nick Hornby (já tendo vivido a mãe de Marcus em Um Grande Garoto) com igual carisma.

É cativante a amizade que acaba sendo formada pelo quarteto e Uma Longa Queda se beneficia desta sinergia formada pelo elenco para entreter. A mensagem deixada é bastante clara e tem seu lado edificante. Nada é tão ruim que não possa ser consertado com a ajuda de amigos. Se Pascal Chaumeil perde a oportunidade de mergulhar em águas mais profundas como o livro de Hornby se propõe, ao menos não destoa completamente do seu material de origem, como já aconteceu em Amor em Jogo. O longa-metragem pode agradar ao espectador casual, mas sofrerá com os apreciadores da obra de Nick Hornby, que farão inevitáveis comparações entre o livro e o filme.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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