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Crítica


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44 votos 7.4

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Sinopse

Dois amigos viram o mercado imobiliário de cabeça para baixo a fim de ficarem ricos. Porém, as coisas não saem exatamente como eles planejaram.

Crítica

Viktor (David Kross) nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Filho de pais amorosos, o jovem testemunha a falência do patriarca devido a problemas fiscais. A partir deste momento, decide burlar as regras sociais e provar a si mesmo a capacidade de enriquecer a qualquer preço. Explorando a boa aparência e a malícia para o comércio, ele começa a aplicar esquemas fraudulentos dentro do ramo imobiliário. No entanto, como antecipa a cena inicial, ele será preso por seus atos. Altos Negócios (2020) aposta no espetáculo de ascensão e queda, explicando por quais meios o jovem pobre, que já dormiu em bancos de praça, faturou bilhões em cima de seus clientes e depois perdeu tudo. O diretor Cüneyt Kaya se interessa pelas exceções, pelo aspecto espetacular deste mundo de extremos. O filme observa a pobreza extrema ou a riqueza impensável: os personagens estão desesperados ou eufóricos, vencendo as apostas mais improváveis ou correndo perigo extremo. Esta é uma narrativa de sensações, não de discussões morais.

Por isso, o diretor busca encantar o público com uma estética de excessos. Há pelo menos meia dúzia de cenas de festas, além de meia dúzia de comemorações em bordéis, quando os golpistas Viktor e Gerry (Frederick Lau) bebem, cheiram cocaína, fazem sexo com mulheres esculturais, pulam na piscina, riem à vontade. Nestes momentos, a câmera lenta reforça o êxtase, enquanto as sobreposições e a trilha sonora rock sugerem o entorpecimento de drogas e álcool. Por outro lado, os instantes em que o protagonista confessa seus crimes a uma jornalista demonstram sobriedade de recursos, cores e ritmo. O roteiro alterna estes instantes com a precisão de um relógio suíço: após cada sequência de perda de limites existe outra de retorno à realidade. Talvez o cineasta não demonstre criatividade nem versatilidade neste percurso de estímulos previsíveis, recheado de símbolos padronizados do luxo – o carrão, a mansão, a esposa-troféu, o relógio de marca, a joia caríssima. A proposta corresponde a uma montanha russa com seus altos e baixos. No entanto, depois de certo período investido nesta jornada, talvez o espectador possa antecipar com facilidade excessiva cada reviravolta. Afinal, quanto tudo é espetáculo, nada o é – as sucessivas festas tendem a minimizar o efeito uma da outra devido à repetição.

Assim, o projeto depende demais da lógica do curto-circuito e dos contrastes extremos. A dupla de protagonistas é composta por um malandro desleixado e um jovem elegante; um homem que sabe o momento certo de parar e viver dos lucros conquistados, e outro embriagado pelo sucesso. Os americanos chamariam as apostas arriscadas dos empresários de fake it ‘till you make it, ou seja, finja até conseguir. Embora a crítica à ganância desenfreada soe óbvia, ela escancara o mundo das aparências e das falsidades, na qual basta parecer rico e sugerir sucesso para conquistar a confiança de investidores. O subgênero dos golpes e da malandragem constituem praticamente um gênero à parte dentro do cinema. Neste caso, o prazer decorre da nossa torcida pelo êxito dos criminosos. Parte desta identificação pode se justificar pela segurança do universo fictício: enquanto assistimos ao mundo inconsequente de excessos, sentimos o prazer simbólico de cometer crimes impunemente, sem necessariamente fazê-los na vida real. O cinema funciona enquanto instrumento de simulação, contanto que no final a moral esteja garantida, com os anti-heróis sendo punidos por seus atos – sem que o prazer da ilegalidade seja negado por isso.

Ironicamente, o próprio filme se torna incapaz de perceber o momento de frear seus personagens e sua gradação. Cenas como a do jarro d’água jogado no chão, da festa dos imigrantes búlgaros envolvendo animais selvagens e do leilão vazio podem ser divertidas dentro das possibilidades da ficção, porém dificilmente se sustentam dentro da premissa. Os pormenores do golpe financeiro também são ocultados do público: o diretor e roteirista não pretende entediar o espectador com diálogos extensos sobre lucros, impostos e investimentos, sugerindo vagamente um esquema de apropriação indevida. Por trás da aparência brilhosa e do trabalho comprometido dos atores, Altos Negócios revela menos conteúdo – seja de debate, denúncia ou apenas de prazer estético – do que se esperaria. No meio do turbilhão de reviravoltas sobre contratos fechados, mansões compradas e esquemas implementados, o espectador não possui o tempo de questionar a ascensão improvável de Viktor e Gerry. De certo modo, Cüneyt Kaya aplica ao público o mesmo ilusionismo que os golpistas efetuam com seus apoiadores, sugerindo algo muito impressionante do que realmente fornece. Baixada a poeira após 90 minutos de duração, resta a história implausível de dois malandros no ramo imobiliário.

O resultado poderia ser respeitável dentro dos códigos de um cinema escapista, do tipo que compromete a construção dos personagens e o laço com o real em nome de imagens ainda mais surpreendentes e divertidas. Ora, a conclusão trata de não apenas absolver moralmente Viktor por seus atos, como também fica do lado dele ao sugerir uma redenção. Subitamente, o homem que jamais demonstrou qualquer apreço pela filha pequena se transforma num pai carinhoso, enquanto reviravoltas milagrosas permitem que ele se reerga com facilidade. Para não tornar sua comédia moralista, punindo os criminosos e fazendo com que se arrependam, o cineasta aposta no discurso simetricamente oposto, sugerindo que tudo valeu a pena, que Viktor não terá perdido nada, e poderá recomeçar os golpes de novo. Preso à lógica do curto-circuito, a direção não encontra alternativa entre a punição exemplar e a reafirmação cínica de que o roubo compensa. Mesmo o pai carinhoso do empresário dispara uma frase absurda de incentivo aos crimes. A narrativa se torna incapaz de enxergar possibilidades entre o luxo e o lixo, entre o topo do mundo e o fundo do poço, tanto no ponto de vista social quanto no uso da linguagem cinematográfica.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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