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Sinopse

Depois de cometer um crime, um homem se esconde em uma floresta no planalto português. Henrique é um cara solitário que foge de sua vida e do mundo.

Crítica

Henrique (Henrique Bonacho) é um homem de meia-idade solitário, um criador de cabras que vive em uma humilde residência isolada nas montanhas do norte de Portugal. Essas são basicamente todas as informações oferecidas ao espectador pelo diretor Ico Costa sobre o protagonista de Alva, seu primeiro longa-metragem. Durante todo o primeiro ato, Costa se dedica a retratar em detalhes o cotidiano banal de Henrique – vemos o homem se alimentando, dando de comer ao seu cachorro, cuidando de seu pequeno rebanho, fumando, etc. – que inclui o mínimo de interação com outros personagens, como o amigo que o auxilia no transporte e na venda do leite das cabras, e com quem troca poucas palavras. A única informação adicional relevante trazida sobre sua vida é a de que ele é pai e não mantém contato com suas filhas.

Se valendo de um registro minimalista, de câmera na mão na maior parte do tempo, Costa deixa no ar de modo bastante sutil que, em meio a essa rotina simples, algo incomoda Henrique. Tal sensação acaba se confirmando certa tarde, quando o homem pega o carro do amigo e vai à cidade, parando em frente a uma escola. Lá, ele observa à distância uma mulher e depois a segue até sua casa. É nesse momento que ocorre a única verdadeira quebra de expectativa de Alva. O choque, dois disparos, um assassinato. Henrique, então, se torna um fugitivo, indo buscar refúgio na floresta. O longa adentra seu ato intermediário, o mais extenso, potencializando o sentimento inicial de isolamento por meio da ambientação e trazendo várias questões: quem seria a mulher assassinada? Uma das filhas? A ex-esposa? Quais os motivos do crime?  Contudo, neste mergulho na natureza que se inicia, Costa não parece interessado em responder a tais perguntas, mas sim em apresentar uma jornada de transformação de Henrique.

O conjunto de situações ordinárias que se sucedem na narrativa, porém, pouco oferece ao espectador sobre essa provável transformação. As possíveis leituras, concretas ou alegóricas, do arco de Henrique, como a de uma jornada de penitência ou mesmo de uma regressão a um estado primitivo que fosse uma extensão de seu ato de violência, soam vagas e frágeis. O potencial para a investigação psicológica também se perde, pois, ainda que consciente da gravidade de seus atos, vide a decisão de fugir, Henrique não parece confrontar de fato os sentimentos provocados pelo ocorrido. Exceção feita a um momento em que vislumbra uma solução extrema para por fim a sua situação, o que realmente guia sua trajetória é o instinto de sobrevivência. Henrique sente dor, fome, sede, cansaço e frio, porém seus conflitos psicológicos mais profundos, como o remorso, não são devidamente expostos. Tal impressão se amplifica pelo fato de Costa muitas vezes deixar de se aproveitar da expressão naturalmente sofrida do intérprete de seu protagonista durante essa jornada, filmando-o de costas, à distância ou nas sombras.

Assim, o diretor termina por construir uma narrativa que se torna rapidamente repetitiva e fria – com a sucessão de cenas de Henrique procurando abrigo, comida, água –, que raramente transmite a sensação da angústia ou do desafio físico vivido pelo protagonista. Mesmo no campo estético, Costa não consegue dar mais peso à trivialidade dos acontecimentos, ainda que o registro em 16 mm, trazendo uma granulação às imagens, ajude na construção de alguns belos planos, e evoque em algum nível o anacronismo da realidade de Henrique. Em seu ato final, a não ser pela revelação da identidade da mulher assassinada, Alva se apresenta inconclusivo, sugerindo uma metamorfose de Henrique – o banho, a barba feita, o terno – que se sente por demais inconsistente.

Sem trazer uma resolução concreta e sem provocar uma reflexão sólida no âmbito micro – acerca das motivações do protagonista – ou no macro, na possibilidade de abordagem de alguma questão sociocultural específica, o longa termina com a sensação de uma história alongada para além de seu real potencial de interesse – o diretor afirma ter iniciado o projeto como curta e, conforme a progressão do roteiro, ter visto a necessidade de mais tempo para contar sua história. Necessidade que na prática não se justifica, já que esse prolongamento termina por gerar apenas a monotonia.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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