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Crítica


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Sinopse

A vida de mulheres que trabalham arriscando suas próprias vidas. Elas mergulham enquanto a luz do meio-dia se infiltra pela água. Ao encher os pulmões de ar, precisam chegar a grandes profundidades e retirar os haliotes do fundo. Uma tarefa que acontece no Japão hã mais de 2000 anos.

Crítica

É claro o respeito que a cineasta portuguesa Claudia Varejão tem pela atividade das ama-san, essas mergulhadoras japonesas que, seguindo tradições milenares, são reverentes à natureza quando nela imergem para extrair meios de subsistência. Alinhada à vertente observacional, ou seja, sem ímpetos de cunhar narrativas e/ou forjar personagens, a realizadora basicamente se atém às minúcias do cotidiano, aos processos, muitos deles repetitivos, que envolvem a incursão no fundo do mar, sem ajuda de equipamento especial, para a obtenção de moluscos e outros frutos do mar. A câmera mira com vagar e cuidado essa rotina morosa, maçante, involuntariamente fazendo de tais características o ponto fraco do conjunto. Exatamente por falta de variações, modulações ou algo que as valha, Ama-San rapidamente cai num redemoinho de reiterações que, num primeiro momento, visam denotar a tradição, mas cujo procedimento acaba gerando exaustão.

Ama-San é centrado, basicamente, em três mulheres. As amigas e colegas Mayumi Mitsuhashi, Masumi Shibahara e Matsumi Koiso adentram o mar diariamente à procura de alimento e sustento financeiro. A realizadora demonstra, desde o início, atenção aos gestos e às pequenas liturgias do labor delas. Demoradamente, somos submetidos aos trâmites que antecedem os mergulhos, com as mulheres vestindo as pesadas roupas de borracha que neutralizam o frio marinho, bem como os lenços que as conectam com suas antepassadas. É bonito esse ritual reproduzido sempre, visualizado diversas vezes no documentário. Mas, a falta de inflexões logo torna tudo bastante cansativo, difícil de ser acompanhado sem doses de enfado e desinteresse. Há um visível desejo de sublinhar a poesia contida nos meneios, na reprodução de coisas que remontam a tempos imemoriais. Todavia, nem a tentativa de lirismo funciona totalmente, sobretudo por esbarrar na falta de criatividade diretiva, limitada a constatações bem parecidas, cuja reincidência é danosa.

Na tentativa de abrir o escopo, mesmo sem a inclinação por realçar determinados pontos, Ama-San passa boa parte de sua duração seguindo hábitos em terra, com as mulheres tomando conta de ambientes. Aliás, apenas o capitão do barco ganha destaque na seara masculina. Todos os demais homens em cena são meros penduricalhos, figurantes sem importância numa trama absolutamente dominada pelo sexo feminino. Mas, nem esse aspecto relevante é articulado suficientemente por Claudia Varejão, que se priva de enfatizar através da montagem, por meio dela apenas articulando excertos de uma ode aos hábitos revestidos de uma aura latente de legado. Não demora para o longa-metragem cair numa senda aborrecida, com planos e situações repetidas, tomadas de duração aparentemente interminável e flagrante falta de frescor. Buscando valorizar uma atividade transmitida por gerações, a cineasta incorre num excesso de contemplação, sem oferecer ao espectador uma experiência verdadeiramente profunda para dirimir a insistência em pontos e tons específicos.

As cenas submarinas estão entre as mais bonitas de Ama-San. Nesses instantes, Claudia Varejão logra êxito na construção de um lirismo efetivo, com a supressão dos sons a fim de emular a vivência das mergulhadoras que vasculham o fundo do mar. Infelizmente, é pouco para justificar a construção baseada na apreciação prolongada de uma atividade intrinsecamente bela, pois alinhada a uma comunhão com a natureza. Mayumi, Masumi e Matsumi são vistas em contato com suas respectivas famílias, em comemorações alegres e colóquios aparentemente banais. Não há espaço a traços que as poderiam tornar carismáticas e/ou magnéticas. As singularidades das três são colocadas a serviço de um desenho maior, pretensamente ancorado na estima diretiva pelo ofício defendido por essas mulheres, mas acabam sendo gradativamente enfraquecidas por uma mal resolvida vontade de capturar a beleza de vidas que transcorrem quase na cadência do passado.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
4
Chico Fireman
6
MÉDIA
5

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