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Onde Assistir

Sinopse

Amado é um policial militar de comportamento controverso que mora no Distrito Federal. Operando no limite entre a marginalidade e a legalidade, ele acredita que pode fazer justiça com as próprias mãos impunemente.

Crítica

Logo no começo, antes mesmo de qualquer cena, um anúncio se impõe na tela: “baseado em eventos reais”. Tal esclarecimento serve tanto para situar o espectador a respeito do que irá assistir na próxima hora e meia, como também para levantar uma justificativa antecipada, do tipo “se está achando absurdo, melhor se desarmar, pois foi assim que aconteceu”. Como se o simples fato de ter ocorrido na vida real fosse desculpa para um recriação tal e qual em cena. Esquece-se, nesse momento, porém, de uma máxima que qualquer roteirista ou contador de histórias deveria adotar como lema: “se a realidade pode ser improvável e por vezes absurda, a ficção não possui tal luxo”. Pois esse é o maior dos descuidos que Edu Felistoque e Erik de Castro cometem na realização de Amado, um filme que parte de um episódio que, visto de modo isolado, por si só já seria insólito, mas que, infelizmente, dentro do cenário de degradação e absurdo ao qual a atividade policial se vê sujeita no Brasil, se aproxima perigosamente do corriqueiro e irrelevante. Um destino também provável ao longa que dele se origina.

Independente da discussão entre Direita e Esquerda, dois posicionamentos que parecem ter contaminado o debate político no país, Amado fala de profissionais em ação e o comportamento desses, pendendo entre o discurso e suas consequências. O personagem-título é um cabo que, durante uma apreensão de rotina, se depara ao lado de seus colegas com dois contraventores na posse de objetos ilegais e um montante no valor de R$ 20 mil. A reação imediata é confiscar tudo e levar para a delegacia, assim como os meliantes. Porém, no meio desse processo, são interpelados por uma outra viatura. Essa é comandada por um oficial de patente superior, que decide dar outro rumo ao que foi encontrado, apagando aqueles já rendidos e dividindo a quantia entre os policiais. “Aquele ali está com a mãe doente, o outro precisa pagar dívidas, e até esse ao teu lado está com o aluguel atrasado. Nós precisamos dessa grana muito mais do que esses vagabundos. Fazemos assim e todo mundo sai feliz”, declara sem o menor constrangimento.

Acontece que Amado é um unicórnio, um ser raro e difícil de ser encontrado mas que, segundo relatos fantasiosos, aparentemente existe: é o soldado honesto. Não só recusa a proposta, como frustra as expectativas daqueles consigo. Com isso, se torna um alvo: um pessoa difícil, na qual seus parceiros de profissão não podem confiar. Felistoque e Castro não se mostram interessados em discutir o quão longe vai a corrupção no meio policial e o tamanho dessa visão distorcida, alcançando repercussões além do mero embate entre dois agentes em atividade. Por outro lado, estão focados na postura desse que ousa ir contra a corrente, como se apenas por isso pudesse ser visto como herói – o que está longe de ser, é fato. Se em ‘terra de cego, quem tem um olho é rei’, como diz o ditado, não basta ser honesto para merecer palmas. Afinal, só está fazendo o que dele se espera. E esse tendência em perseguir uma suposta retidão revela mais uma rixa entre inimigos do que uma questão de caráter, é este mesmo apelo que se confirmará frágil a partir do momento em que de caçador se vê como caça.

O protagonista é uma figura complexa, que merecia um estudo mais aprofundado. No entanto, nas mãos de um ator como Sergio Menezes, se torna plano, desprovido de nuances. Não há contraste em sua atuação, pois o intérprete oferece uma composição monocórdia, mantendo uma expressão inalterável no rosto, independente da situação em que se encontre. Deveria supor uma postura sisuda, até mesmo revoltada, mas tudo o que alcança são tons repetidos que se assemelham mais ao tédio e à rigidez do que de uma personalidade disposta a ir contra um sistema estabelecido, sabendo-se em desvantagem, ainda que munido da certeza dos seus atos. Os diretores, ao liberá-lo de uma diretriz pontuada, optam por se focar nas reações dos demais e no discorrer de eventos gerados enquanto reflexo destes embates. Porém, mesmo estes se mostram delicados, alternando entre o videoclipe que engloba um avançar no tempo e diálogos expositivos cuja função é substituir imagens inexistentes. Ainda no elenco, se há um destaque este está na presença de Brenda Lígia, que no pouco que lhe é ofertado demonstra uma visível vontade de ir além de uma zona de conforto, enquanto que Adriana Lessa é desperdiçada em aparições esporádicas por detrás de uma burocrática mesa de escritório.

E se na maior parte de sua duração Amado deixa a impressão de transitar entre dois lados de uma mesma moeda, em seu terço final abdica de qualquer precaução e adota os mesmos procedimentos que estavam sendo condenados até aquele ponto, fazendo do protagonista uma figura tão condenável quanto aqueles no seu encalço. Ainda que não assuma o discurso que afirma que ‘bandido bom é bandido morto’ desde os instantes iniciais, esta é a narrativa que no final das contas assume o controle da trama, levantando bandeiras que em situações normais já alertariam a um potencial perigoso, que dirá em tempos tão controversos quanto os atuais. Poderia ser só uma produção genérica dentro de um fazer cinematográfico mais amplo, mas se engana aquele que fechar os olhos ao debate de ideias que está por trás do que aqui se encena. É esse tipo de defesa, ainda que oriunda das melhores intenções, que permite posições danosas que há muito precisariam ter sido não só esquecidas, mas também combatidas. O problema, portanto, não está apenas no cinema – ainda que este, sim, se revele afetado – mas, acima de tudo, na mensagem.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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