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Sinopse

Crítica

A temática do enfrentamento do luto, central em Aquele Sentimento do Verão (2015), do cineasta francês Mikhaël Hers, volta a ser explorada em seu mais recente trabalho, Amanda. As premissas são semelhantes: no longa anterior, acompanhávamos o protagonista, Lawrence (Anders Danielsen Lie), lidando com a morte repentina de sua namorada. Desta vez, a trama é focada em David (Vincent Lacoste), jovem de vinte e poucos anos que se divide entre pequenos empregos e tem sua vida abalada pela trágica e inesperada perda da irmã, Sandrine (Ophélia Kolb) – com quem mantinha uma relação muito próxima – vítima de um atentado terrorista. Há, contudo, um elemento fundamental adicionado por Hers ao drama de David, pois além da dor, o personagem também se depara com o peso de uma grande responsabilidade: a guarda da sobrinha, Amanda (Isaure Multrier), de apenas sete anos.

O universo explorado pelo cineasta segue sendo o mesmo do citado Aquele Sentimento do Verão, o dos jovens adultos de classe média da Europa, que ainda procuram se estabelecer em suas vidas profissionais, amorosas e familiares. O estilo narrativo, bem como o estético – especialmente na textura granulada da imagem – também se repetem, numa mescla da sensibilidade europeia com certo despojamento calculado típico do cinema independente norte-americano. Através dessa abordagem, Hers mais uma vez evidencia seu maior mérito, o olhar sensível e naturalista lançado sobre as pequenas coisas do cotidiano. Seus personagens estão quase sempre caminhando, andando de bicicleta, vão ao trabalho, voltam para casa, saem para comer, para beber, dançam, cantam e se integram tanto ao espaço urbano quanto à natureza, como os parques – que aqui também se tornam palco da tragédia principal - ou as paisagens bucólicas do interior francês, de onde vem Léna (Stacy Martin), interesse romântico de David.

Desta forma, através da aparente trivialidade, Hers compõe um retrato que soa sempre autêntico, no qual insere ainda questões atuais, como a dos ataques terroristas ocorridos na França nos últimos anos, servindo para gerar o impacto do choque pela brutalidade do ocorrido, sem, contudo, cair no sensacionalismo. O tema obviamente paira sobre os personagens, porém é secundário, já que o verdadeiro interesse de Hers é no estudo da relação entre David e Amanda. Mesmo separados pela grande diferença de idade, os dois se encontram igualmente desnorteados, não sabendo como encarar a nova realidade que se apresenta – enquanto a garota sofre para se comunicar e dar vazão a seus sentimentos, David, antes desfrutando de uma vida sem amarras, é dominado pela angústia de não se sentir capaz de assumir o papel de pai. Buscando o apoio de amigos, de Léna e da tia (Marianne Basler), o rapaz acaba encontrando a força necessária para enfrentar, ao lado da sobrinha, uma jornada de amadurecimento forçado, promovendo gradativamente o estreitamento dos laços entre os dois.

Essa jornada se apresenta envolta numa aura melancólica, mas que nunca se torna opressiva, pois Hers consegue imprimir sempre uma luminosidade – seja pela paleta de cores e a saturação da fotografia ou pela delicadeza dos diálogos – às situações, sem esvaziá-las de seu peso dramático. Para atingir tal efeito, o ótimo trabalho do elenco também é essencial, com Lacoste esbanjando simpatia e dando corpo às aflições de David e a jovem Multrier exalando uma espontaneidade genuína, ao agir como uma criança real – em suas perguntas, suas mudanças de humor, sua inocência – sendo também capaz de transmitir todos os sentimentos de Amanda em seus silêncios e olhares. A dinâmica entre os dois funciona de modo preciso, contribuindo para que o espectador se sinta próximo dos personagens.

Alcançando a emotividade com leveza e sem soar piegas, Amanda ainda é capaz de engenhosamente extrair simbolismos de motivos recorrentes na narrativa, como a paixão de David pelo tênis – que o leva ao torneio de Wimbledon ao lado da sobrinha, numa viagem planejada pela irmã antes da morte, e a uma tentativa de reaproximação com mãe, que os abandonara há mais de 20 anos – e o significado da expressão “Elvis has left the building”, que intriga Amanda logo em uma das primeiras sequências do longa. Ao promover a união desses dois elementos em uma espécie de parábola sobre a finitude da vida, reviravoltas e possibilidades de recomeço, Hers talvez esbarre numa literalidade didática, contudo, esta termina suplantada pela força da expressão comovente de compreensão estampada no rosto da pequena Multrier no belíssimo plano final.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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