Sinopse
Dois irmãos se encontram em lados absolutamente opostos da legalidade anos depois de terem sobrevivido a um episódio trágico de suas infâncias. Um crime cometido entre gangues colocam em xeque a lealdade deles.
Crítica
O Apartheid foi um regime de segregação que vigorou na África do Sul entre 1948 e 1994. Em suma, nele a minoria branca da população sul-africana subjugou a maioria negra com base na ideia estapafúrdia da superioridade racial. E essa discriminação é o motor da primeira parte de Amandla. O cenário do longa-metragem é uma fazenda chefiada por brancos benevolentes, pessoas diferentes dos racistas que provocarão uma tragédia enorme no fim dos anos 1980. Os protagonistas são os irmãos Impi e Nkosana. Eles correm soltos pela propriedade e gozam da amizade da filha dos patrões, a também criança Elizabeth. A cineasta Nerina De Jager desenha superficialmente o contexto dessa propriedade, se limitando a mostrar negros subservientes e agradecidos a patrões brancos com consciência social. O pai de Impi o proíbe de se relacionar com amiga filha do chefe, pois isso poderia trazer problemas para a sua família subalterna. Talvez esse homem tenha sofrido o pão que o diabo amassou até chegar àquele oásis supostamente seguro como empregado? É possível, mas como o roteiro não aborda isso e sequer dá espaço para entrelinhas e sugestões, ficamos sem acesso a esse pano de fundo. O clima é de paz e prosperidade até que três visitantes brancos manifestam seus comportamentos racistas e violentos. Tanto que não se fazem de rogados ao descarregar seu ódio nos zulus.
A construção dessa história mergulhada nos últimos anos do Apartheid é marcada pela ingenuidade. Prova disso é a interação pueril entre Impi e Elizabeth que repentinamente ganha status de paixão proibida. Não existem indícios do amor antes do beijo que sela o destino fatídico de ambos. Também não há um olhar questionador ou mesmo autocrítico à utilização dos lugares-comuns, sobretudo o do “branco salvador”. Quando os meninos negros são agredidos pelos forasteiros com esterco bovino, Elizabeth simplesmente chega afugentando os homens ao valer-se de suas credenciais como herdeira da propriedade. A criança branca recebe os louros enquanto os amigos negros voltam humilhados para casa. Nerina De Jager negligencia o drama racial ao prescindir das nuances. Ela alcança somente o que de mais superficial acontece nessa lógica complexa situada numa África do Sul prestes a mudar, mas ainda convulsionada político, social e economicamente falando. O ataque aos pais de Impi e Nkosana, o sacrifício para garantir a sobrevivência dos pequenos, enfim, toda essa sequência importantíssima é decupada e filmada com displicência, falta de habilidade para criar tensão e/ou enfatizar os elementos trágicos. Alguns falseamentos e truques de montagem não escondem a precariedade da produção e, principalmente, a dificuldade para criar uma atmosfera verdadeiramente densa.
Na segunda metade de Amadla, temos um salto temporal. Impi (Lemogang Tsipa) e Nkosana (Thabo Rametsi) tiveram uma adolescência órfã e de precariedades vencidas pela entrada inevitável do mais velho na vida do crime. Desse ponto em diante, Nerina De Jager (que também é autora do roteiro) aposta numa separação que praticamente não se sustenta. Impi é situado como alguém tentando deixar a marginalidade para cuidar dos seus. Mas, de que vale opô-lo ao irmão mais novo que decide se tornar policial, uma vez que Nkosana é apenas visto entrando na academia e retornando no encerramento? Aliás, é estritamente no fim da trama que esses caminhos antagônicos se tornam uma dinâmica importante. Antes, o filme se concentra basicamente nas tentativas de Impi de abandonar os trilhos do caminho errático. Agora pai, ele é diversas vezes questionado pela senhoria sobre o pagamento do aluguel em Soweto (numa região extremamente pobre) e repetidamente dialoga com uma espécie de gângster local (sujeito com direito a baita cicatriz no rosto que o tipifica ainda mais). Impi é desenhado como uma figura trágica que segue tomando atitudes por força da necessidade. E o que temos de Nksosana, supostamente o seu contraponto legalista de mesma origem? Flashes do treinamento policial. Nada que seja suficiente para estabelecer um confronto dialético e prático entre os dois irmãos.
No terceiro quarto do filme, a cineasta Nerina De Jager deixa Amandla ainda mais frouxo. Ela traz de volta uma personagem importante da primeira parte e a coloca como vítima do "novo" Impi. É difícil compreender o que a realizadora quer com essa coincidência forçada. Ela pretende assinalar que o preconceito é uma chaga perigosa até mesmo aos "aliados" da causa negra? Tenta expandir o drama do menino levado a ser bandido para sustentar o irmão e depois a família? Aliás, quanto ao teor racial do discurso, existe uma sutileza que pode fazer outro tiro sair pela culatra. Quando criança, Impi é acossado por três sujeitos brancos que precipitam a sua ruína; já adulto, ele é cerceado por três sujeitos negros que o mantém nessa areia movediça. Seria uma falsa e mal calculada simetria, do tipo “brancos e negros podem cometer atrocidades”? Sem dúvida há subsídios para compreendermos esse movimento de associação como um gesto de puro paralelismo e equivalência. No entanto, nem esse efeito colateral controverso sobressai. O que acaba prevalecendo são os diálogos e as resoluções simplistas, os desperdícios de boas possibilidades dramáticas e a falta de jeito para articular as cicatrizes pessoais e coletivas dos anos de Apartheid quando o regime é abolido. E a prova mais cabal das debilidades do filme é a utilização leviana e abrupta da culpa de Nkosana como elemento narrativo. Novamente sem preparar o terreno, a cineasta simplesmente tira um coelho da cartola para acentuar a calamidade.
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Muito bom, nota 9, pior que era a realidade do Apartheid n. Pena que morreu todos, só ficou a neném