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Sinopse

Em 1972, no auge da carreira, Aretha Franklin resolveu gravar um álbum apenas com músicas gospel, que ouvia (e cantava) desde a infância. Para tanto, decidiu que as gravações seriam na Bethel Baptist Church, junto a um grande coro e uma plateia repleta de fãs. O trabalho durou apenas dois dias, tendo sido documentado de maneira detalhada e intimista pelo, na época, pouco conhecido diretor Sydney Pollack.

Crítica

Por mais que tenha sido acidental, as décadas de espera por Amazing Grace fizeram bem ao filme. Afinal de contas, quando a Warner decidiu enviar uma equipe para registrar as gravações do novo álbum de Aretha Franklin, lá em janeiro de 1972, o objetivo era ter em mãos um mero making of, que seria exibido como especial de TV em algum horário escondido. Não se podia imaginar, à época, a dimensão que aqueles dois dias de gravações teriam.

Deixe de lado o fato histórico de que "Amazing Grace", o álbum, foi o disco de gospel mais vendido na história, rendendo o prêmio duplo de platina a Aretha Franklin. É claro que tais números, e a qualidade musical envolvida, catapultaram o interesse pelos registros feitos pelo na época pouco conhecido Sydney Pollack, diretor iniciante na gravação de documentários musicais. Tamanha inexperiência resultou em falhas na gravação que impossibilitaram, por muitos e muitos anos, que os registros visuais e sonoros fossem sincronizados - e assim nasceu a lenda de Amazing Grace, o filme impossível de ser exibido. Até que o avanço da tecnologia permitiu que a magia viesse à tona.

Pollack, infelizmente, não pôde ver seu filme concluído - o diretor falecera de câncer em 2008, uma década antes de sua primeira exibição no DOC NYC, festival de documentários realizado em Nova York. Se vivo estivesse, poderia relembrar a falta de experiência no gênero com certas movimentações de câmera engessadas, que atrapalham o ritmo na primeira meia hora do longa-metragem. Sorte do diretor que quem estava em cena era o espirituoso reverendo James Cleveland, showman nato que fez as honras para a estrela-maior do show.

Chama a atenção o fato de que, em momento algum, Aretha dialoga com o público. Tal tarefa cabe justamente a Cleveland, que se diverte (um bocado) ao dividir a função no palco com a de apresentador, exalando felicidade ao estar ali presente, seja através de seu sorriso cativante ou, simplesmente, pelo suor escaldante. Aos poucos, tamanho êxtase migra para o público ao ponto das câmeras por vezes deixarem de lado os astros principais da noite para retratá-los. É em tais reações que estão as saborosas entrelinhas destes dois dias de gravações, nos quais quem esteve presente sabe que vivenciou um momento único.

Único porque quem está no palco é Aretha Franklin, no auge de sua potência vocal. É impossível não se impressionar, e muitas vezes se arrepiar, com algumas das interpretações feitas, que tão bem justificam o sucesso do álbum. Força sonora por natureza, é ela que move tudo o que há ao redor ao ponto de despertar o fascínio reinante. Todo aplauso é pouco.

Como cinema, Amazing Grace enfrenta os inevitáveis problemas decorrentes de como foi gravado, e por quem foi gravado. Por mais que seja conservador ao extremo como formato e sequer seja competente ao retratar certas nuances do show, como a súbita briga sem nexo que de repente surge em meio a familiares da cantora, o documentário consegue captar a eletricidade existente no local, onde o deslumbre é palpável. É pelos olhos brilhando de quem lá estava e pela excelência sonora de Aretha que vale conferir este longa-metragem, mesmo diante dos problemas de ritmo e de informação decorrentes da falta de habilidade de quem estava detrás das câmeras.

Filme visto no Festival do Rio, em dezembro de 2019.

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Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
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