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Sinopse

Em Ameaça no Ar, o piloto é responsável por transportar uma profissional da Força Aérea que acompanha um fugitivo até seu julgamento. À medida que atravessam o Alasca, EUA, a tensão aumenta e a confiança é testada já que nem todos a bordo são quem mostram ser. Dirigido por Mel Gibson.

Crítica

Nada como nomes importantes na produção para garantir ao menos uma carreira comercial decente, não é? Exercitando o achismo antes de ponderar os méritos (poucos) e deméritos (muitos) de Ameaça no Ar, podemos imaginar que, se não fosse dirigido por Mel Gibson e estrelado por Mark Wahlberg, ele teria chances de ser lançado sem alarde num streaming que buscasse somente aumentar o volume do seu catálogo. No entanto, sobretudo o fato de ele ser assinado por um astro que foi da primeira prateleira de Hollywood – e que na atualidade tem se destacado mais pelas opiniões controversas sobre qualquer coisa e a associações com políticos de extrema-direita –, levou o longa-metragem ao cada vez mais restrito circuito de lançamentos em salas de cinema. Sua protagonista é Madolyn (Michelle Dockery), agente encarregada de escoltar a testemunha de um processo criminal que estava escondida no Alasca. Winston (Topher Grace) foi contador de um contraventor barra-pesada e, por se tornar peça-chave do processo contra o figurão, tem a sua vida colocada em risco. Madolyn precisa levar ele à cidade mais próxima e para isso conta com a ajuda do prestativo piloto Daryl (Mark Wahlberg). Entre gracejos machistas e cantadas descobrimos que Daryl é o assassino enviado para dar cabo do prisioneiro. Mas, como Madolyn deve lidar com isso a milhares de pés de altura e sem saber pilotar o avião?

A premissa de Ameaça no Ar é interessante. O cenário poderia ser claustrofóbico e a ação é limitada pela impossibilidade de sair ao exterior em pleno voo. Mesmo a natureza lá embaixo se torna obstáculo – com tudo coberto de neve, forçar uma aterrissagem para escapar do perigo das alturas certamente colocaria os personagens numa situação ainda mais perigosa. Sem saber como operar os comandos do avião, Madolyn se safa momentaneamente ao colocar a aeronave em piloto automático. Do ponto de vista metafórico, é justamente o que Mel Gibson parece fazer com a trama: coloca em rota pré-programada e não se esforça para esse “voo” ser mais do que uma viagem burocrática e sem emoção. Para começo de conversa, o cineasta não sabe aproveitar as características do espaço reduzido, pois em pouquíssimos momentos a tensão é condicionada por obstáculos impostos pelo cenário. A câmera passeia quase livremente da parte dianteira ao compartimento traseiro do avião sem que essa restrição espacial sirva para intensificar os conflitos posteriores à revelação de que o piloto é o grande vilão. Outro desperdício é a falta da elaboração de uma tensão permanente por conta da navegação a esmo sem piloto qualificado. Trocando em miúdos, quase não faz diferença os personagens estarem praticamente à deriva no ar, pois não há criatividade na construção disso como motor do suspense. Enquanto isso, os diálogos têm responsabilidade por deixar tudo explicadinho a fim de que o público não se perca.

Lá pelas tantas, o roteiro assinado por Jared Rosenberg tenta dar uma dimensão psicológica mais densa à protagonista ao revelar que ela pode encarar a missão como uma espécie de redenção. Desse modo, Ameaça no Ar é ineficiente enquanto thriller de ação e não melhora nadinha ao tentar estabelecer as camadas emocionais e morais de sua protagonista. Winston vai gradativamente deixando o estatuto de “chato de galocha” e se transformando na vítima a ser salva por uma heroína em busca de paz de espírito depois de deixar outra testemunha morrer carbonizada por ineficiência e covardia. No entanto, Mel Gibson não enfatiza a disposição heroica da agente das Forças Especiais, principalmente porque trata as suas ações com uma superficialidade sabotadora. Podemos colocar um pouco da culpa disso na conta da atriz Michelle Dockery, cujo trabalho é não mais do que monocórdio e sem intensidade dramática. Madolyn é uma personagem desinteressante, muito porque suas características pessoais são um amontoado de derivações de outros filmes muito melhores protagonizados por figuras torturadas que buscam algum tipo de reparação no presente. Já Mark Wahlberg parece abraçado involuntariamente pela caricatura ao fazer caras e bocas como o vilão desprovido de nuances. Ele é estritamente um cão raivoso que rosna perversidades para desestabilizar a sua inimiga.

Ameaça no Ar é repleto de conveniências, inconsistências e incoerências. Por mais que a trama básica seja crível, determinados elementos forçados são encaixados nela para tentar algum efeito empolgante. Como quando Madolyn consegue manobrar a aeronave que estava a poucos metros de se chocar com uma montanha nevada ou, ainda mais, na hora em que o avião colide com o topo da formação rochosa cheia de neve e sai ilesa. Ora, se o filme fosse bem construído até mesmo essas inverossimilhanças poderiam ser facilmente “compradas” por uma plateia engajada. Como tudo é mal elaborado e a evolução dramática acontece por conta de muitos pedidos de “suspensão da descrença”, as ocasiões improváveis jogam contra. Mel Gibson está claramente tentando criar uma heroína disposta às últimas consequências para fazer justiça. Alguém que não parece tão emocionalmente abalada mesmo à frente da missão comprometida pela presença de um vilão e a ausência de um piloto amigável, ainda que vá descobrindo convenientemente a existência de infiltrados marginais nas estruturas legais. Como thriller, raramente é emocionante. Na condição de drama policial, ele carece de ideias. Enquanto investigação da personalidade da policial incorruptível, limita-se a descrever ideais e obstáculos. Não fosse assinado por Mel Gibson, o filme provavelmente seria condenado ao ostracismo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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