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Sinopse

Três ativistas colocam suas vidas em risco para denunciar coisas que os poderes públicos e os paralelos preferiam esconder. Brasil, Colômbia e México vivem realidades aterradoras, mas apenas alguns têm coragem de afrontar.

Crítica

O documentário América Armada se desenvolve em três frentes. O traço comum entre elas é a luta de ativistas contra injustiças, dentre as quais várias perpetradas pelos próprios Estados. No Brasil, Raull Santiago denuncia arbitrariedades policiais em operações nas favelas do Complexo do Alemão. No México, o jornalista Heriberto Paredes documenta uma guerra no interior, mesmo que seja flagrantemente ameaçado de morte. Por fim, na Colômbia, Teresita Gaviria encabeça um grupo de mães empenhadas em encontrar respostas aos desaparecimentos de seus entes queridos. O filme transita entre essa trinca de realidades por meio daquilo que as torna semelhantes. Em todos os casos, os cineastas Alice Lanari e Pedro Asbeg ressaltam o descaso do poder público afrontado justamente pela coragem e a impetuosidade de pessoas comuns que aceitam arriscar suas vidas a fim de contribuir com o reparo de desigualdades e parcialidades. Se trata, inequivocamente, de um elogio a esses exemplos de abnegação, mesmo que o resultado esteja mais próximo de uma reportagem bem-sucedida do ponto de vista jornalístico que de um filme-denúncia ou mesmo de algo abertamente laudatório.

América Armada possui três ótimas e fortes histórias. Também se beneficia da riqueza dos personagens. Raull, Heriberto e Teresita são figuras cativantes, cuja atuação representa uma lufada de comprometimento, sobretudo nas sociedades em que estão inseridas. Brasil, México e Colômbia são tidos como territórios convulsionados, nos quais a resolução dos problemas não passa necessariamente pelo cumprimento dos protocolos legais. A presença ostensiva de armas de fogo em cena é apenas um dos problemas, efeito-colateral do descaso governamental que torna corriqueiros sumiços desmotivados, batidas policiais sem explicação consistente e a necessidade de formar brigadas às margens da legalidade para defender propriedades. Embora tenham à disposição um material humano excepcional e realidades que os permitam tirar pequenas radiografias aterradoras, Alice Lanari e Pedro Asbeg evitam mergulhar nas causas e refletir acerca dos contextos, assim não demonstrando um senso de investigação para além do gerado espontaneamente pelo testemunho das circunstâncias. Eles se contentam em somar exemplos e revelar o panorama consonante.

Há uma evidente vontade de ligar personagens e conjunturas, assim gerando uma simetria. Raull, Heriberto e Teresita são celebrados em conjunto, validados como gente briosa interposta entre as injustiças e o povo completamente desamparado. Curiosamente, a dupla de cineastas não demonstra semelhante interesse pelas singularidades dessas pessoas. A colombiana precisa andar escoltada – algo que vemos numa das poucas cenas do filme em que a exposição não depende da palavra como muleta – e entra na seara do ativismo depois de se tornar mãe vitimada pela dinâmica aterradora dos desaparecimentos. O mexicano atua a partir de uma lógica profissional, recorrentemente afirmando que os riscos são consequências da vocação seguida. Já o brasileiro, embora em vários sentidos muito próximo de Heriberto, age diariamente com outro tipo de impulso e munido de ferramentas distintas. Ele não é um rapaz alheio a certa dinâmica, mas alavancado pela noção da missão. O jovem morador do Complexo do Alemão é um alvo bastante visado pela política, basicamente porque penhora a própria segurança em prol da sua comunidade. Utilizando celular e astúcia, tenta mudar aquele painel.

Mas, América Armada não se empenha em sublinhar as diferenças que tornam cada batalha uma jornada particular, repleta de especificidades e elementos característicos. A transição entre as histórias é feita de modo funcional, porém burocrática. Difícil saber a prioridade do retrato feito de três mundos aparentemente singulares, mas que formam um conjunto coeso. Quando Heriverto fala sobre sua ideia de capitalismo criminoso, ou seja, da instauração de uma lucratividade convidativa aos poderosos em torno de conflitos armados, assassinatos e outras manifestações de agressividade (pois alguém tem de vender armamentos, munição e etc), parece que o filme finalmente encontrou sua engrenagem agregadora. No entanto, Alice Lanari e Pedro Asbeg não apuram essa questão, tornando-a uma hipótese relativamente provável a julgar por aquilo que acabamos de ver. Logo, embora tenham à disposição pessoas com histórias de vida mobilizadoras, modelos de resiliência diante de realidades desmotivadoras, eles se contentam em observar as resistências e agrega-las num comentário pouco propositivo sobre algumas das nossas tantas tragédias continentais.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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