Crítica
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Sinopse
Crítica
Steven Spielberg é, indubitavelmente, um realizador de bom coração. Porém, não é sempre que sua consciência bem posicionada lhe garante a produção de obras assertivas. Tendo em mãos a história real do Amistad, uma embarcação usada para o tráfico de escravos, Spielberg comete o erro de constantemente atribuir tudo o que acontece de positivo às boas ações de homens brancos e bem afortunados, usando os escravos negros como fonte de pena e indignação. Apesar de claramente pregar a humanização tanto de seus personagens quanto de seu público – como de hábito –, o efeito não é atingido como planejado.
É possível que a história não tenha sido muito diferente e é provável que o grupo de africanos não tenha, de fato, tido voz ativa durante todo o processo. Porém, as escolhas narrativas de Spielberg são conscientes em tratar isso como normal ou mesmo ideal. E repito: isso apesar de suas claras boas intenções. Assim, é até mesmo absurdo quando uma sequência inteira se dedica ao personagem de Anthony Hopkins, que dá ao de Morgan Freeman a solução de um problema. Enquanto isso, a trilha igualmente equivocada de John Williams enaltece o clima enquanto o cineasta o filma em contra-plongée, engrandecendo aquela figura, como se ele fosse um santo por estar dividindo informações com um homem de uma raça oprimida. Até mesmo a fotografia de Janusz Kaminski, colaborador habitual do diretor, lança uma luz angelical para reforçar a ideia. E outra vez, não é errado retratar algo que aconteceu de fato – se assim o foi -, por mais errado que seja. Porém, é uma escolha consciente de cada realizador como irá tratar um fato. Entretanto, é preciso ter em mente que a história contada por Amistad, em tempos cada vez mais empenhados na desconstrução de enraizados conceitos e convenções, era difícil de ser abordada mesmo para um cineasta mais pragmático.
Depois de tomarem em alto-mar o navio que os transportava como carga ilegal, um grupo de africanos acaba parando nos Estados Unidos, onde passam a ser tratados como mercadoria, sendo clamados pela Rainha da Espanha (Anna Paquin), por dois sobreviventes da tripulação, pela guarda costeira estadunidense e por um pequeno contingente de abolicionistas que tentam provar a sua liberdade (Stellan Skarsgard, Freeman e Matthew McConaughey). A parte difícil, então, reside obviamente em como tratar os negros que, de fato, não tiveram voz ativa em todo o processo, e é até mesmo louvável que Spielberg empregue um bom tempo da trama para falar sobre as dificuldades de comunicação entre o líder dos africanos, Cinque (Djimon Hounsou, ótimo), e o advogado Baldwin (McConaughey, também).
E caso se focasse ainda mais nesse problema de interação entre eles, Amistad poderia se mostrar uma obra mais memorável. Pois a mensagem que parece flutuar no final é: obrigado grandes homens ricos e brancos, por suas palavras gentis e por serem tão compreensíveis a ponto de reconhecerem que este grupo de seres humanos, são humanos. É louvável que isso foi feito, mas não é nenhum favor. É um passo mais evoluído, que deveria ser tratado como aprendizado e não como bondade. Mas Spielberg não consegue evitar em tratar de forma grandiosa suas figuras e acaba recorrentemente deslanchando em discursos humanitários vazios pela obviedade que carregam. É como se o cineasta tão bem sintonizado de A Lista de Schindler (1993) tivesse evaporado para dar lugar a sua versão no piloto automático, que vez ou outra é possível constatar em sua filmografia, facilmente identificável através de seus filmes mais fracos.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Yuri Correa | 5 |
Ailton Monteiro | 4 |
Chico Fireman | 5 |
Francisco Carbone | 4 |
Bianca Zasso | 5 |
MÉDIA | 4.6 |
quanta babaquice... MAM