Crítica
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Crítica
Comédia romântica é um dos gêneros (ou subgênero, para os mais preciosistas) mais maltratados pelo cinema mundial (veja bem, não só em Hollywood, mas por tudo que é lugar). E isso por razões bastante básicas: o espectador não costuma exigir muito desse tipo de filme (basta uma dupla charmosa, algumas dificuldades envolventes pelo caminho e um final feliz que já garante o entretenimento), assim como a fórmula não permite muitas variações (geralmente o que importa está no cartaz: um casal carismático e uma forte capacidade de identificação por parte da audiência). Volta e meia, no entanto, algumas dessas combinações conseguem fugir do óbvio e entregar um conjunto que, apesar de transitar por cenários conhecidos, é eficiente em se arriscar um pouco além desses limites pré-determinados. Esse esforço extra é o que termina por fazer a necessária diferença capaz de se sobressair dentre tantos similares. Exatamente o que se encontra em Amor ao Primeiro Beijo, que aliado a um argumento curioso (que não se basta em si só) e de uma direção que sabe aonde ir sem se distrair pelo trajeto, ainda tem a vantagem de contar com Álvaro Cervantes como protagonista.
Um dos nomes mais em alta no momento no cenário cultural espanhol, Cervantes tem demonstrado habilidade tanto em dramas (Adú, 2020, que lhe rendeu uma indicação ao Goya) como em romances (Árvore de Sangue, 2018, um dos seus primeiros sucessos), se aventurou pela indústria hollywoodiana (Hanna, 2011) e pela televisão (Criminal: Espanha, 2019), revelou versatilidade no suspense (Legado nos Ossos, 2019) e no terror apocalíptico (Bastardoz, 2020), e tem dado sequência a uma relação interessante com a Netflix: após Loucura de Amor (2021) e Se Organizar Direitinho... (2021), Amor ao Primeiro Beijo (2023) é o terceiro projeto estrelado por ele feito especialmente para a plataforma a discorrer sobre o mesmo tema: relações amorosas. Se o primeiro, no entanto, se mostrava focado na descoberta do desejo, e o segundo voltava suas atenções ao sexo em si, é neste mais recente que tanto o astro, quanto a história que defende, se mostra mais maduro, preocupado não apenas com o agora, mas, acima de tudo, com o depois. Esta não necessidade do imediato é suficiente para despertar um interesse que, felizmente, será recompensado.
Javier (Cervantes, mais contido do que o habitual e, portanto, mais seguro da própria presença) possui um dom especial: a ele basta um único beijo para que todo o seu futuro ao lado daquela pessoa se desenrole diante de si. É quase como uma premonição, uma capacidade específica de prever apenas o futuro possível em questão, caso venha a se desenrolar ou não. Esse momento de “clarividência”, no entanto, não se dá num aberto de mãos, numa troca de olhares ou mesmo num simples toque: é preciso a sintonia que apenas os lábios de um nos do outro pode proporcionar. O resultado prático, porém, é que a grande maioria dos seus romances acaba durando menos do que se poderia esperar: como sabe qual será o desfecho, a motivação – ou, principalmente, a falta dessa – será um elemento a ser considerado com cada vez maior frequência. Sabe-se bem que é o inesperado, a capacidade de um surpreender o outro, a chave capaz de manter uma relação viva. Quando um dos dois de antemão reconhece tudo que irá acontecer, qual o propósito de ir adiante?
Javier tem um melhor amigo, Roberto (Gorko Otxoa, de Machos Alfa, 2022), que parece ser o único capaz de compreendê-lo – ou, ao menos, demonstrar simpatia pelo seu constante “azar” no amor. Numa noite qualquer, após uma saída entre amigos, Javier acaba ficando sozinho com Lucía (Silvia Alonso, de Durante a Tormenta, 2018), ninguém menos do que a namorada de Roberto, e os dois se beijam quase num acidente. O que acontece é o óbvio: pela primeira vez, a visão que se abre diante de si é marcada apenas pela felicidade, e nada mais. Seria ela, portanto, a mulher dos seus sonhos, aquela pela qual está destinado a ficar ao seu lado até o fim dos dias? Munido dessa certeza, mas também ciente do efeito que essa verdade poderá causar caso venha à tona, tenta a todo custo conter seus impulsos – uma iniciativa que se verá terrivelmente frustrada. Uma vez juntos, o que os impedirá, portanto, de viverem... felizes para sempre? Bom, a vida real. Pois o que Javier irá descobrir é que não se trata de uma pessoa ou outra, mas de si mesmo e de sua capacidade de se abrir ao acaso, de se permitir assumir riscos e a disposição que deverá demonstrar – ou não – em ser ele mesmo alguém diferente daquele com o qual levou a vida inteira se acostumando.
Eis, portanto, a grande questão levantada pela diretora Alauda Ruiz de Azúa (vencedora do Goya com seu longa anterior, Cinco Lobitos, 2022) e pelos roteiristas Cristóbal Garrido e Adolfo Valor (mesma dupla de Lua de Mel com a Minha Mãe, 2022): em que momento se para de culpar os outros por algo que é você que deve mudar, assumir essa responsabilidade e se encarregar dos efeitos provocados durante o processo? Ter ao seu lado parceiros como Susana Abaitua (que já havia feito par romântico com Cervantes no citado Loucura de Amor, reforçando a química do dois), Pilar Castro (Julieta, 2016) e o próprio Otxoa contribui decisivamente para fazer dessa uma jornada tanto de descoberta quanto de confirmações. Álvaro Cervantes é eficiente na conquista e nos momentos de abandono, e quando o que é evidente lhe abate, a empatia que cria com a audiência é fundamental para que esse seja um sentimento compartilhado. Mais do que encontrar ou não o par perfeito, Amor ao Primeiro Beijo dedica atenção a si mesmo, antes de qualquer outro interesse. Uma noção simples, ainda que de árdua compreensão.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 6 |
Francisco Carbone | 6 |
Miguel Barbieri | 5 |
Maria Caú | 6 |
MÉDIA | 5.8 |
Simples muito bom, filme prazeroso de assistir, as músicas são ótimas e o melhor é a lição de vida