Crítica
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Sinopse
Dois amigos testemunham um assassinato nos anos 1930 e logo se tornam os principais suspeitos. Para se protegerem, eles resolvem investigar por conta própria e acabam descobrindo uma trama intrincada e ultrajante.
Crítica
Em Amsterdam, o cineasta David O. Russell flerta abertamente com o estilo marcado do colega Wes Anderson, especialmente quanto ao acúmulo de personagens excêntricos em cena. Aliás, é como se nesse mundo existisse somente personagens excêntricos/caricatos. Outra coisa que aproxima os realizadores é a (às vezes desgastante) necessidade de ter grandes nomes interpretando até os papeis mais ínfimos, com isso formando um mosaico de astros e estrelas que desfilam ininterruptamente ao longo da trama. Mas, enquanto Anderson insere organicamente as constantes aparições de notáveis como atributos de um maneirismo reconhecível, O. Russell parece apenas querer exibir uma capacidade de convencer nomes famosos a participar de suas produções. Portanto, a diferença é: Wes Anderson brinca com a consciência de que há uma profusão enorme de astros e estrelas, utilizando essa assembleia incomum como outro dado de esquisitice; David O. Russell parece simplesmente querer ostentar, pois não cria essa camada simbólica na relação com o espectador. No seu mais novo filme, cada cenário e/ou circunstância conta com entradas triunfais que, lá pela sexta, já nem causam qualquer impacto. Além disso, a estilização visual da fotografia assinada por Emmanuel Lubezki serve apenas para fornecer um verniz de irrealidade à história em que um par de cadáveres leva a uma investigação.
O protagonista é Burt (Christian Bale), médico vigiado de perto pelo conselho de Nova Iorque por conta de práticas consideradas incomuns. Veterano da Primeira Guerra Mundial (da qual voltou sem um olho), tem como principais clientes de seu consultório homens que, assim como ele, voltaram da guerra com marcas físicas e psicológicas. O começo de Amsterdam serve para Christian Bale demonstrar novamente porque é um dos grandes atores de sua geração. Sua composição desse sujeito de aspecto curioso é instigante e envolvente, sobretudo por conta das nuances que ajudam a tornar crível a frágil humanidade de uma figura visualmente concebida para parecer quase um remendo de homem regurgitado do conflito global. Os excessos estão alicerçados em outros valores que o ator deixa à mostra sob as aparências. E este é o grande mérito de Bale, o de tornar complexo (e interessante) um personagem que evidentemente carrega o seu quinhão de sofrimento por baixo da casca extravagante. Burt é abordado pelo amigo, Harold (John David Washington), ambos são contratados pela mulher vivida por Taylor Swift para fazer uma autópsia (onde encontram a enfermeira de Zoe Saldana). Outra morte acontece, a dupla é injustamente acusada, e aí a trama começa a ser desmantelada. Trata-se de um prólogo que leva ao típico dispositivo “quer saber como chegamos aqui? Deixa que explico”.
Nesse ponto, David O. Russell lança mão de um flashback enorme e distrativo sobre a guerra, fazendo piada com oficiais racistas e pactos de amizade para introduzir a não menos excêntrica personagem interpretada por Margot Robbie. Essa quebra no andamento da história, então encaminhada para mergulhar numa conspiração, é abrupta e desajeitada. Nela, Amsterdam corteja os relacionamentos a três relativamente comuns no cinema europeu (principalmente no francês). O roteiro assinado pelo próprio cineasta vai sucedendo uma série de pequenos esquetes, nos quais sempre entra em cena alguém conhecido. E a conexão entre os fragmentos é frouxa. Não há uma noção de cada parte sendo fundamental à obtenção de uma imagem ampla que leva a grupos conspiratórios empenhados em forjar o fascismo norte-americano. É como se David O. Russell estivesse tão empolgado com as brincadeiras visuais, com a fotografia marcada por tons terrosos e sépia (que parece simular a dos melhores filmes de Jean-Pierre Jeunet), entretido em destacar as entradas triunfais de astros e estrelas, que se esquece de conferir espessura a coisas fundamentais, tais como a política e a sordidez norte-americana. O resultado é um filme em que as críticas são inofensivas, o sexo inexiste e todos são um pouco desmiolados. A fábula supostamente cáustica para representar a realidade acaba naufragando.
Alessandro Nivola, Andrea Riseborough, Anya Taylor-Joy, Chris Rock, Matthias Schoenaerts, Michael Shannon, Mike Myers, Timothy Olyphant, Rami Malek e Robert De Niro (ufa) ainda aparecem em papeis de relevância variável em Amsterdam. Por baixo da afetação visual vazia proposta por David O. Russell há a incapacidade de ser contundente. Elitismo, racismo, eugenia, crueldade, patriotismo, corrupção, traições, assassinatos, frustrações, fetiches e melancolia. Tudo vira nota de rodapé num longa-metragem mais preocupado em demonstrar um estilo próprio (nem tão próprio assim) do que em observar cada uma dessas coisas com a importância devida. Pode-se dizer até que há um moralismo mal disfarçado nessa ficção que anuncia dialogar com a realidade. Não há um pingo de sensualidade quando o trisal no país europeu se consolida como “o momento mais feliz de nossas vidas”; não há qualquer traço de ambiguidade moral no filme, os personagens são o que anunciam ser e ponto (por isso, inclusive, os vilões são previsíveis); existe um apego formalista asfixiante, haja vista a atenção dada à estética em detrimento da construção do discurso; as críticas a segmentos da sociedade norte-americana perdem qualquer capacidade corrosiva por conta da especificidade de homens e mulheres que protagonizam números tolos sobre suas singularidades. O saldo é um amontoado de situações desconjuntadas e que reivindicam uma autonomia improdutiva, cujas minúcias são conectadas por monólogos interiores e narrações explicativas que ainda restringem os espaços da reflexão.
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