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Crítica
Os filmes não são como ilhas isoladas de outras porções de terra firme por quilômetros de água. Eles estão mais para transeuntes aglomerados numa multidão. Basta um pouco de vontade para podermos comparar uns aos outros, já que a tradição cinematográfica possui incontáveis títulos. E, prosseguindo nessa toada um tanto simbólica, qualquer intenção comparativa nos concede a percepção de formas completamente diferentes de andar, respirar, falar e gesticular entre os caminhantes dessa turba que constitui a história mais do que secular da Sétima Arte. Agora deixando um pouco de lado a linguagem figurada, é necessário compreender que os filmes não permanecem apartados de seus pares. Interligados, eles formam tendências, criam filões, estabelecem níveis de comunicação e, por isso, analisamos as obras também por meio da contextualização em círculos que podem ser específicos ou abrangentes, daí dependendo a abordagem do crítico. Andança: Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho é um documentário biográfico e, evidentemente, está sujeito aos códigos desse tipo de produção. Mas, para começo de conversa, o que sobressai nele é a indisposição do cineasta Pedro Bonz com alguns protocolos que transformaram o filão num amontoado de repetições. Felizmente, ele não pretende fazer um retrato informativo de uma das mais importantes cantoras do país.
Aliás, importante frisar que Pedro Bonz não é apenas o diretor, mas também o montador de Andança: Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho. Sublinhar isso é fundamental, pois estamos diante de um filme que deve uma porcentagem generosa de sua força à competência dessa costura dos muitos materiais de arquivo à disposição. Diferentemente de alguns colegas que preferem uma espécie de feijão com arroz para evocar a vida e a obra de personalidades relevantes – infância, entrada na sua área de excelência, amores, decepções, sucesso e posterior morte (quando o cinebiografado já se foi, claro) –, ele justapõe fragmentos íntimos registrados pela própria Beth Carvalho e/ou por pessoas de sua convivência. Assim, Pedro refuta certa onipotência da ordem cronológica, indo e voltando no tempo, obediente ao ritmo e à harmonia que determinadas aproximações geram. Dentro desse distanciamento dos lugares-comuns do documentário biográfico também se destaca a ausência completa de depoimentos. E olha que não faltariam personalidades de diversas áreas para exaltar uma mulher revelada no filme em facetas múltiplas. O discurso do filme é totalmente construído por essa sucessão de frações de uma vivência voluntariamente registrada por Beth, artista que no começo afirma ter alma de arquivista. A quantidade de material à disposição deve ter sido enorme, o que valoriza o desafio.
Andança: Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho é um retrato afetuoso e generoso de Beth Carvalho, a menina nascida na zona central do Rio de Janeiro que rapidamente se apaixonou pelos sons dos subúrbios e das comunidades periféricas da Cidade Maravilhosa. Um exemplo ótimo para compreendermos a inteligência do filme está na forma como é apresentada a forte inclinação política da Madrinha do Samba. Se estivéssemos num daqueles filmes-wikipédia que mais parecem meras ilustrações de verbetes escritos, provavelmente teríamos a informação de que o pai da protagonista foi um dos advogados perseguidos durante a Ditadura Civil-militar que desgovernou o Brasil entre 1964 e 1985. Tendo essa informação de base, a presença de Beth nos comícios das Diretas Já (no processo de redemocratização), ao lado de figuras como Lula e Brizola, fecharia um ciclo informativo. Mas, Pedro apresenta a dimensão ideológica de Beth a partir de indícios menos jornalísticos, inclusive suprimindo alguns dados (como esse do pai perseguido). Ele mostra imagens de Beth na época do envolvimento com o pessoal da Bossa Nova e a voz da própria cantora falando que, apesar da influência estética, as reuniões do movimento encabeçado por João Gilberto, Nara Leão, Tom Jobim e Vinícius de Moraes a incomodavam pela aura elitista. E ao longo do filme Beth é homenageada como artista popular.
Além dessa indisposição com os clichês do documentário biográfico, Andança: Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho traça um painel significativo da influência de Beth Carvalho no desenvolvimento do pagode como ritmo popular. Pela telona desfilam nomes maiúsculos como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Jorge Aragão, Cartola, Nelson Cavaquinho e Clementina de Jesus, todos conhecidos do grande público brasileiro. Porém, com semelhante deferência, são citadas figuras talvez familiares apenas a músicos, chegados e à boemia carioca, como Paulão 7 Cordas e Alfredinho, o falecido proprietário do bar Bip Bip, reduto do samba e do choro no centro do Rio de Janeiro. Orquestrando muito bem essa colagem de fragmentos de um discurso de vida e arte, Pedro Bonz nos apresenta incontáveis versões de Beth: a artista privilegiada, a mãe zelosa, a empresária de visão, a mulher ciente de seu lugar numa sociedade conturbada, a madrinha generosa de incontáveis talentos que reverberam o seu legado, etc. Curiosamente, o filme não entra na seara amorosa, evitando concentrar esforços para mostrar as paixões de Beth. De todo modo, e ainda que incorra em algumas reiterações nem sempre produtivas, o cineasta dá conta de capturar não um mito, mas a importância da existência como artista e pessoa comum. Se comparado a seus pares de contornos convencionais, esse documentário “cresce” por preterir a informação em prol da celebração de uma mulher que dignificou até o fim a posição de artista.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 7 |
Robledo Milani | 7 |
Alysson Oliveira | 8 |
Ailton Monteiro | 6 |
Alex Gonçalves | 7 |
MÉDIA | 7 |
Confesso ser absolutamente ignorante pois, vou pouquissimo ao cinema. Nem sou tão adepta a essa cultura. Embora, fique muito brava quando na tv aberta repitam várias e cansativas vezes os mesmos filmes; em outros momentos me surpreendo nas altas madrugadas elogiando a fotografia do filme, aos diálogos nas cenas, a música( principalmente quando brasileira nos filmes estrangeiros) etc e tal. Entretanto, gostei da crítica, estimula- nos a ver esse filme.