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Crítica


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Sinopse

Angela vive sozinha e coleciona diagnósticos de doenças que nunca teve. Sua ficção segue imperturbável até a chegada de Sueli, e o vislumbre de uma nova existência.

Crítica

Angela mostra uma situação de isolamento que gera um estado quase completo de solidão. A protagonista vivida pela grande Teuda Bara – uma das fundadoras da prestigiada trupe teatral mineira Grupo Galpão – organiza seu cotidiano repetitivo em torno de exames, receitas médicas e informações acerca de remédios e/ou métodos terapêuticos paliativos. Portanto, a narrativa de sua vida é atualmente ancorada em diagnósticos de problemas do corpo, embora sua grande questão seja exatamente passar os dias solitária. Na cena da consulta com a doutora há uma rápida pista de que essa narrativa de enfermidades deve ser uma invenção, mas a diretora Marília Nogueira não se detém propriamente num inventário disso. Fato é que o quarto da personagem tem inúmeros indícios da predileção por investigações físicas, talvez como forma de lidar melhor com o que na verdade possui origem social-mental. Conjecturas à parte, Angela vive de lá para cá apegada com doenças, sendo uma personagem hipoteticamente acostumada com o silêncio por não ter com quem falar. A vizinha Sueli (Gláucia Vandevelt) ensaia aproximar-se, apesar de não ser recebida com tanta reciprocidade.

Temos uma personagem com problemas que são mantidos submersos. Por que ela se enclausurou em casa e tem dificuldades para lidar até com pequenas demonstrações de afeto e consideração? O que a sinalização do barulho da rodovia nos arredores tem a ver com o estado emocional de Angela? Essas são perguntas que ficam sem respostas. O desenvolvimento do filme não é orientado por qualquer tentativa de ler melhor essa mulher, mas pelas soluções fáceis que pretensamente dão conta de seus problemas difíceis. Em pouco mais de 13 minutos, Angela traz a apresentação competente do cenário e, aos poucos, ensaia o que tende a ser a resolução feliz. Para o roteiro pouco interessam os porquês. Não que os “como” sejam mais bem fundamentados. A vizinha se achega aos poucos, logo quebrando a casca protetiva com gestos simples de ternura e solidariedade. E o movimento se dá com elipses que, além de suprimir camadas intermediárias, torna tudo abrupto demais.

De uma hora para outra, Angela se abre ao outro e se esquece um pouco da obsessão hipocondríaca. Marília Nogueira não trabalha sutilezas ao desenhar o retorno à convivência, mostrando-o como óbvia reposta aos cuidados que a protagonista volta a receber do entorno. Em nenhum instante Angela hesita diante das investidas da amiga que deseja seu bem. Desde que visitada com mais frequência, a idosa automaticamente se deixa levar pela bondade altruísta. A mensagem contida nessa curva dramática é positiva e esperançosa, mas para que ela seja efetivada nos poucos minutos à disposição são sacrificadas as nuances e a espessura dramática das personagens/situações. As demais mulheres, as que conversam nas redondezas, funcionam como alívios cômicos. As três (Antônia de Resende Ramos, Alzira Pereira e Maria José Novais Oliveira) dão um toque de naturalidade cotidiana a esse pequeno conto em que a solidão é abrandada pela atenção alheia.

Angela é encerrado com uma “moral da história”. Ainda que ninguém diga algo do tipo “sejam mais próximos dos vizinhos, estejam atentos à solidão ao redor”, a mensagem está ali implícita. Nenhum problema com a ideia sugerida, ainda mais pela forma evidentemente afetuosa como ela acontece. O que reduz a potência do filme é a facilidade com que determinados nós são desatados no clímax. Não há resistências, complexidades e novos contratempos surgindo do meio do caminho. Nesse sentido, o curta-metragem tem um andamento retilíneo, uniforme e de efeitos bastante previsíveis. O problema é a reclusão inicial; logo, ele é combatido pelo afeto da vizinha; uma vez derrotado, ele não mais será um entrave para a ressocialização da protagonista. É tudo simples, direto e sem rodeios. A trilha sonora dá uma aura peculiar ao conto sobre uma mulher sozinha que se volta às fragilidades do corpo para ter algum movimento, adiante transformada pelo carinho dos outros.

Filme visto no VI Cine Jardim: Festival Latino-Americano de Cinema de Belo Jardim, em agosto de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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