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Sinopse

Uma bióloga se junta a uma expedição secreta com outras três mulheres em uma região conhecida como Área X, um local isolado da civilização onde as leis da natureza não se aplicam. Lá, ela precisa lidar com uma misteriosa contaminação, um animal assassino e ainda procura por pistas de colegas que estão desaparecendo, incluindo seu marido.

Crítica

Tudo o que vive, morre, e torna-se algo diferente. Em pequena escala, isso significa nascer, morrer e se decompor para fazer parte da vegetação, do alimento de outros seres vivos e das propriedades do solo. Numa visão mais abrangente, espécies surgem, evoluem e desaparecem, seja por extinção ou porque se decompõem em inúmeras outras novas formas de vida. Mesmo a geografia passa por essas mutações; através dos milênios, montanhas se levantam e são trazidas abaixo outra vez pela ação tectônica, a erosão e demais fenômenos naturais. Por um lado, é um processo triste sob a perspectiva do ser humano, pois nosso recorte é limitado a uma parcela ínfima de tempo dentro desse arco de eventos. Por outro, trata-se de um mecanismo que funciona com elegância e que obtém resultados de fascinante improbabilidade. E esse é o sentimento agridoce evocado por Aniquilação ao confrontar beleza e morte sem medo de que isso leve sua narrativa a se tornar algo diferente.

Como em um sonho, Lena (Natalie Portman) não lembra de como foi parar na sala de interrogatório onde a encontramos pela primeira vez. Seu marido, Kane (Oscar Isaac), é a única pessoa a ter saído do Brilho, um fenômeno ainda sem explicação que surgiu a partir da queda de um meteoro. Denominada Área X, a base militar responsável por desvendar o evento manda a bióloga e um grupo de outras quatro mulheres (uma delas corrige: “mulheres não, cientistas!”) para dentro do Brilho, delimitado por um campo translúcido em expansão que ameaça engolir aos poucos o mundo inteiro. Lá dentro há um lapso de tempo: ninguém na comitiva lembra dos primeiros dias da incursão. Novamente, como num sonho – ou um pesadelo.

O cineasta Alex Garland navega entre os dois tons oníricos. Há o estranhamento de um sonho; ao invés do espectador, são as cientistas que se encontram in media res (recurso narrativo que joga o público já no meio da ação), e o mistério que vieram desvendar se torna ainda mais complexo quando encontram flores de espécies diferentes nascendo na mesma planta. O pesadelo entra quando a beleza irreal da visão cede lugar à ameaça de um crocodilo, que combina a forma reptiliana com uma pele branca e dentes de tubarão. Esse contraste entre o belo e o tenebroso, o fascinante e o mórbido, é o meio pelo qual Garland nos transporta para a sua reflexão; o corpo de um militar morto é, também, uma obra singular da natureza, e que remete à concepções vistas em Enigma do Outro Mundo (1982), que volta à mente no momento em que uma das cientistas, paranoica, amarra as outras a cadeiras enfileiradas para tentar descobrir quais delas ainda são elas mesmas – instante no qual voltamos ao tom perturbador quando a sequência insere um novo e criativo “personagem”, se convertendo numa cena que, sozinha, assusta mais do que a maior parte dos filmes de horror por aí.

A própria atmosfera do Brilho possui essas contradições; o sol entra por meio da vegetação lançando flares de arco-íris (apropriados à explicação que as cientistas descobrem sobre o fenômeno), mas o que essa luz colorida ilumina são cenários e ocorrências desconfortáveis: plantas que crescem em forma de pessoas, um par de cervos que mimetizam precisamente os movimentos um do outro. Mesmo o campo translúcido que demarca as fronteiras do Brilho é concebido como uma enorme bolha de sabão, ainda que o evento se comporte muito mais como um câncer. E a comparação não é gratuita, já que ela se aplica também àqueles do lado de fora. Pois, o que a humanidade é hoje para a Terra não está distante do que podemos dizer de um tumor maligno. E a nossa incapacidade de preservar o planeta talvez denuncie que estamos programados para a autodestruição. A Doutora Ventress (vivida por Jennifer Jason Leigh, seu nome tem peso simbólico para o próprio arco, “ventre”) inquire Lena sobre essa questão, e afirma que a autossabotagem é exercida por todos nós de forma subconsciente. Não por acaso, o mesmo lugar de onde vem os sonhos e pesadelos que ditam o tom do projeto.

Ao narrar um evento fantasioso e específico desse modo, Aniquilação (que se baseia no livro de Jeff VanderMeer) faz o que boas ficções científicas tradicionalmente devem fazer com o espectador: criar uma reflexão. E é válido que aqui questionemos: como espécie, nós vivemos em estado de onirismo? Afinal, não temos absoluta certeza de onde viemos e qual o nosso propósito aqui, e apesar de seguirem um conjunto de regras que aprendemos a determinar, os fenômenos que nos cercam não são menos estranhos, belos e ameaçadores por causa disso. Também habitamos apenas o recorte de uma narrativa maior, e embora tenhamos uma ideia, não podemos confirmar exatamente em que direção ela vai. Mas talvez o aqui e agora, o presente, é o que realmente importa. Alex Garland não seria o primeiro a afirmar que a perfeição é um momento e não um estado que pode ser alcançado, e se pensado assim, Aniquilação enaltece a beleza melancólica da existência de vida, resultado de uma série de fatores improváveis e fadada à extinção, como instantes de perfeição na linha do tempo do universo.

O que nos leva ao desfecho, que por fim sintetiza essa reflexão – e recomendo que leia essa última parte apenas se já tiver assistido ao filme, pois há spoilers. A forma de vida alienígena que habita o epicentro do Brilho causa mutações a nível genético e atômico em tudo abarcado por sua atmosfera, refratando as estruturas de toda a matéria aleatoriamente, criando bizarrices como os animais e plantas que o grupo encontra no caminho. Assim, o extraterrestre acelera absurdamente as variáveis dos fatores que possibilitam o surgimento da Vida e a evolução dessa. É como se o alien fosse obcecado por obter esses instantes de perfeição que o universo leva tantos milhões de anos para conseguir – perceba as formas que cercam seu covil, árvores de diamante, um material de carbono cuja composição estrutural é descrita como “perfeita”.

Este Ser, então, é um reflexo do que a nossa espécie poderia se tornar? É isso o que simboliza a sequência dentro do farol? Como espécie, seu comportamento é expansivo assim como o nosso, mata, muda e instaura novos costumes nos lugares que anexa às suas fronteiras – e por isso a comparação com um câncer serve tão bem a ambos os lados; mas como indivíduo, também possui falhas similares, é aficionado com a ideia de alcançar a perfeição e controlar o universo a sua volta. Suas capacidades demonstram que evoluiu para conseguir realizar esses intuitos, pois se recusa a admitir-se como um recorte no tempo, quer ser infinito – o que explica também a tatuagem em forma de um oito deitado que surge no braço de Lena mais tarde. Desse modo, a criatura não seria uma mimese do ser humano, como se poderia entender a princípio, mas sim nós é que o somos dela. Mas é este o nosso futuro? Romper o ciclo de “tudo aquilo que vive e morre” (palavras de Lena) evoluindo para algo que toma as rédeas da natureza e, indiscriminadamente, muta tudo ao seu redor? Que curva a singularidade poética de nascer, viver e morrer à própria vontade?

Se for o caso, talvez exista mais dignidade em viver no recorte. Como propõe Aniquilação, esse sonho distante confeccionado por Garland, tão apropriadamente inspirado na estrutura de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), mas, em termos de tom e linguagem, mais próximo de um Solaris (1972) ou Stalker (1979) – obras que o precederam no estilo e na temática. E que agora recebem no seu panteão outro título à altura.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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