Crítica
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Sinopse
Considerado um dos grandes dramaturgos de todos os tempos, William Shakespeare é estudado há séculos. Mas, há uma teoria sobre a possibilidade de que suas peças tenham sido, na verdade, escritas por outras pessoas.
Crítica
Em Anônimo, os conflitos históricos entre Inglaterra e França fazem fundo à marginalização que a palavra, escrita ou declamada, e o corpo, coberto e trôpego, sofriam frente aos poderes estabelecidos – estamos no século XVI. A doutrina eclesiástica tratava a poesia como pecado. Ao passo que o filme se desenvolve no limiar entre a verdade e o real e suas distinções (realidade e aparência), ele se configura antes num discurso em defesa do registro escatológico sobre uma determinada mitologia do que sobre qualquer outro acontecimento histórico-político. Mas para filmar Shakespeare como um analfabeto egocêntrico e facilmente manipulável, em oposição à elegância tirânica da sofisticação da nobreza, não bastaria que a iluminação e o CGI os tornassem mais densos do que parecem ser, tentando resolver suas artificialidades expressivas digitalmente ou baseando sua força poética nas tensões da criação. A relevância está nas possibilidades narrativas, mas Roland Emmerich fez um filme de aparências. Ou seja, revestido de imagens gastas em si, corroendo as estruturas da máquina cinematográfica sem discutir suas implicações dramáticas, pois tudo se reduz a nossa impotência diante de um espantalho (um mistério inexistente). Por outro lado, é justamente das aparências que trata este Anonymous, daí a necessidade de não apressar a análise.
O filme reelabora a hipótese de que Shakespeare talvez não tenha escrito nenhuma de suas obras, as quais teriam sido fruto da pena de Edward de Vere, então Conde de Oxford. Na história, William Shakespeare sequer saberia escrever, sendo que Edward, com imenso trabalho já produzido, fez de suas peças sucessos através do nome de outro; por acaso, Shakespeare. E fez assim porque a palavra era considerada subversiva e perigosa à tirania dos monarcas, o amor e o sexo eram monopólio dos nobres (e dos deuses) e Edward não queria perder o poder. Will Shakespeare, medíocre ator tentando ascender no teatro britânico periférico, não tinha nada a perder. Como sabemos, só pode existir um poder habitando o mesmo espaço, eis que as peças, materializadas, vividas, transformadas em carne e sangue no palco, levaram Shakespeare à fama imediata. No pensamento do Conde, mantém-se a barbárie através das relações de poder, mediadas clericalmente, mas não se perde a fortuna crítica, tampouco a essência do eu.
Não raro, a palavra como forma de resistência, a tal subversão da arte, é apenas recurso estilístico nas mãos de Roland Emmerich e nunca poder de confluência das relações políticas. A grafia das imagens se sustenta na mesma fantasia da qual o bom gosto do mainstream, naïve e démodé, de outros de seus filmes, como 2012 (2009), 10.000 A.C (2008) e O Dia Depois de Amanhã (2004), se serve para não ser taxado de envelhecido. Não adianta romantizar a questão recitando versos de Shakespeare sob o som dos trovões e sob o rugir dos deuses, a estética é marcadamente fetichista e acaba, talvez por isso, mas também por culpa do ritual cartunesco das interpretações, a banalizar a potência do discurso. Tanto Shakespeare quanto Edward de Vere representam fortemente a ideia de aparência, de ausência corporal, de protuberância espacial e de carência dramática. São especulações de si mesmos, que é aquilo que qualquer outro filme de Emmerich costuma fazer com seus personagens quando precisa atender as demandas da indústria (cultural). Criar mitos, mostrá-los, reciclá-los e devolvê-los com conteúdo sutilmente variado, mas com a mesma forma e semelhante ideologia.
Em uma cena emblemática, o Conde diz que toda arte é política, querendo dizer que o autor tem sempre algo a dizer sobre o mundo e o estado das coisas – e que deve assim proceder, mesmo que em nome de outro. Evidentemente, a noção de autoria pouco importa para a filosofia da arte neste caso, pois o ponto é mais que Hamlet e Rei Lear foram criados e menos a questão de quem realmente os concebeu (mas esta é uma discussão que o filme não abraça simplesmente por não achar importante). Daí a história que Anônimo tenta vender acaba neutralizando seu jeito de ser, uma vez que não existe nem o suspense e nem a ameaça de uma revelação. Estamos falando de um filme realizado para sancionar sua beleza e mitigar sua feiura (no sentido artístico), que sempre foi o tema dos melhores cineastas. Nenhuma cena resiste a seu próprio clímax, que é derrotada pela facilidade das escolhas visuais que mediam a ação. Não existe licença poética: a boa encenação é sempre uma mentira de si mesma ou a verdade de sua mentira.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Pedro Henrique Gomes | 5 |
Chico Fireman | 5 |
MÉDIA | 5 |
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