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Sinopse

Yael é uma tímida menina de oito anos. Ela gosta de escrever e ouvir fitas cassetes no seu rádio, gravadas pelo pai, que mora em outra cidade por conta do trabalho. Um dia, quando vê uma propaganda sobre uma caneta que garante uma vida maravilhosa, ela decide economizar para poder comprá-la.

Crítica

Yael tem apenas oito anos, mas acredita saber muito de tudo – ou, ao menos, da realidade em que vive. Morando sozinha com a mãe em Manila, nas Filipinas, sonha com o dia em que o pai irá retornar à casa. As duas levam uma rotina quase espartana. A mulher passa o dia no trabalho e, quando retorna, possui seu tempo particular – precisa de no mínimo uma meia hora de silêncio, por exemplo, antes de fazer qualquer coisa. Já a menina vai para a escola, faz suas tarefas e brinca de cozinhar, sempre sozinha e em silêncio. Estão juntas, mas é como se estivessem isoladas dentro delas mesmas. Não sabem como se conectar, e nem imaginam se o homem que falta entre elas poderá suprir essa falta. Ansiosa Tradução, segundo longa da diretora Shireen Seno, é praticamente o Lado B do trabalho anterior da realizadora, Big Boy (2011), que acompanhava o amadurecimento de um garoto. E se o tom familiar e memorialista permanece o mesmo, desta vez o que se sobressai são as fantasias dessa criança em busca do seu lugar no mundo.

Os métodos são importantes. O mini-fogão que Yael tem no seu quarto, não muito maior do que a palma de uma mão, é capaz de abraçar um universo bem particular. Ela corta a carne, pica os legumes e vegetais, acende a vela e cozinha o arroz. Tudo com calma e parcimônia. Quando a refeição fica pronta, para quem ela serve? Afinal, tudo está em miniatura, e mal preenche uma mordida da menina. Mas isso pouco importa: não se está atrás dos finais, pois são os meios que estão sendo levados em consideração. Assim como faz quando chega em casa, e limpa cuidadosamente os sapatos – inclusive os solados – antes de adentrar pelo ambiente; ou à noite, momento único de proximidade materna, quando escova delicadamente os cabelos da mãe enquanto essa adormece assistindo à televisão. No centro da questão não está o que se faz, mas o que tais atos proporcionam – ou escondem.

Tudo muda, no entanto, quando Yael encontra uma caixa de fitas cassetes. Estamos no final dos anos 1980, então estes equipamentos e recursos ainda faziam sentido. Ela delas se apropria, pois o que encontra são mensagens do pai, que está distante e de quem sente falta. Há recados sobre o dia a dia, sobre o amor, sobre o afastamento. Ele está trabalhando, em busca de um sonho que talvez nunca alcance, mas que nem por isso não merece tamanho esforço. Elas, e a solidão que sentem, são apenas um preço a ser pago. A filha entende, ou demonstra ciência de que qualquer decisão a respeito disso está longe do seu poder. Ela apenas sente, e vive, a distância. E lida com aquilo da maneira que lhe parece ser possível.

A diretora repete processos, estimula brincadeiras, convence pelo cansaço. De um anúncio publicitário na televisão, que anuncia uma caneta capaz “de tornar vidas humanas brilhantes”, ao encontro com o tio, que consigo traz primos e demais familiares, tudo soa não mais do que meros paliativos, de resultados instantâneos, mas longe de serem duradouros. O fato do homem, que também é seu padrinho, ser irmão gêmeo do pai, apenas aumenta a ansiedade, ao invés de arrefecê-la. Tímida e fechada na sua realidade, Yael não tem os elementos suficientes que lhe permitam traduzir o que sente, vive e sofre. Os abraços são restritos, os sorrisos, cada vez mais escassos. O que lhe sobra é o eco de uma voz distante que ressoa apenas quando o aparelho de som decide funcionar. É pouco diante tamanha angústia.

Premiado no Festival de Roterdã e indicado ao Prêmio FAMAS – The Filipino Academy of Movie Arts and Sciences – nas categorias de Melhor Direção, Montagem, Som e Design de Produção, Ansiosa Tradução resguarda suas ambições a um cenário bastante limitado fisicamente – o interior da casa onde as protagonistas moram – mas permite uma ampliação deste espectro justamente pois habitar e se desenvolver mais na fantasia da menina do que no âmbito real dos adultos. Longe de ser um filme de fácil aceitação e entendimento, tem-se aqui uma narrativa que exige um esforço qualificado, ao mesmo tempo em que recompensa com desenlaces de singela empatia àqueles que a este mergulho se dedicarem. Pois as águas, que tanto limpam e constroem, também são capazes de sujar e destruir. Basta, portanto, saber qual uso dar a elas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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