Crítica
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Sinopse
Crítica
Os primeiros movimentos de Antártica por Um Ano se valem das agruras dos bastidores como combustível narrativo. A cineasta Julia Martins, em meio à apresentação do deslocamento dos militares que permaneceriam lotados por cerca de um ano na Estação Antártica Comandante Ferraz, no continente gelado, reflete acerca da imprevisibilidade inerente ao percurso para se chegar a um dos lugares mais ermos e fascinantes do mundo. Portanto, seu documentário começa expondo o próprio processo. Este, rápida e sutilmente, se esvanece diante do cotidiano de homens e mulheres que, a despeito das previsões, perduram estacionados por duas semanas na costa chilena esperando as condições climáticas melhorarem. Habilmente, ela aproveita esse tempo morto, em que não se pode sair da embarcação e tampouco há condições de zarpar, para perscrutar o material humano do qual é feita a missão encarada por todos como uma forma de servir à pátria. Permitir que o Brasil siga como membro de um pacto internacional é um dos sentidos dessa viagem.
Já nessa fase de espera, sobressaem os dois principais elementos estilísticos de Antártica por um Ano. A imponente trilha sonora de João Nabuco e a belíssima fotografia de Pedro Urano carregam o filme para além dos limites físicos, ora oferecendo compasso à insondabilidade da natureza circundante, ora sublinhando a sensação de pertencimento primal dos sujeitos ao meio ambiente. Também é possível notar, como estratégia para tornar o decurso menos refém de convenções, a perspicácia de determinados registros aparentemente simples, mas que denotam a sensibilidade de uma mirada atenta e absolutamente curiosa. Exemplo disso, o plano-detalhe na cumbuca de feijão, cujo desnivelamento, num vai e vem sintomático, alude ao balanço que as revoltas águas impõem à volumosa embarcação vermelha. Uma pena que a autoanálise dos mecanismos documentais fique restrita a pontuações esparsas e não tão profundas. Mas, nada que deponha contra o todo.
Antártica por Um Ano não se empenha em meramente catalogar a rotina de quem se dispôs a encarar isolamento, distância de familiares e convivência apenas com os colegas. Julia Martins demonstra empenho na captura da beleza de um lugar que guarda segredos importantes à humanidade. Os militares oferecem suporte aos pesquisadores que lá se encontram a fim de investigar a vida germinante nesse espaço singular. A câmera, inicialmente um instrumento percebido – algo frequentemente denunciado pelos olhares direcionados a ela –, passa a ser tida como um objeto invisível, orgânico, não mais encarado como novidade curiosa. Pinçando depoimentos sintomáticos, como o do chefe empenhado em salvaguardar a integridade física de seus comandados e o da médica carismática e espirituosa que chega a mencionar a anulação de sua feminilidade para a manutenção da integridade de uma estrutura falocêntrica, a realizadora cristaliza na tela o essencial.
Todavia, quando detido nos imensos paredões de gelo, no transitar fortuito de uma família de pinguins, no espreguiçar das focas que abundam no quintal da estação, nas ondas que num dia quebram e no outro constituem mais um bloco volumoso de gelo no horizonte que Antártica por um Ano se achega da excelência. Tal proximidade é fruto da riqueza da composição dos planos e das demãos de significados permitidas pelas músicas então essenciais ao conjunto. O dia a dia dos que resistem às temperaturas proibitivas e às noites estendidas pela chegada do inverno é capturado a partir de banalidades, tais como confraternizações, interações comezinhas, em suma, do desejo implícito de substanciar a convivência e suportar a saudade de casa. O pequeno trecho da bióloga explicando os tipos de algas pesquisadas cumpre a cota de informação, se encaixando meio que a fórceps nesse percurso fundamentado nas relações humanas e no temperamento ímpar do fascinante continente gelado, aqui exposto pelos artifícios cinematográficos que lhe configuram sublime.
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