float(19) float(6) float(3.2)

Crítica


8

Leitores


6 votos 6.4

Onde Assistir

Sinopse

Em uma pequena e distante cidade do interior do Canadá, um homem morre em um acidente de carro sob circunstâncias misteriosas. Enquanto os poucos habitantes do local permanecem relutantes em debater as possíveis causas da tragédia, a família do falecido e a prefeita local começam a perceber estranhos e atípicos eventos que mudam suas concepções de realidade.

Crítica

A seqüência de abertura de Antologia da Cidade Fantasma é emblemática sobre o que está por vir: com a câmera estática em um ambiente desértico povoado por neve, um motorista perde o controle do carro e bate violentamente. O rompante do ocorrido é como um estalo que interrompe o silêncio dominante, logo recobrado. Tal dinâmica percorre toda a narrativa, de forma a ressaltar não apenas a solidão daquele lugar, perdido no interior de Quebec, mas também o quanto tal realidade afeta seus moradores, para o bem e para o mal.

Curiosamente, há neste novo filme do diretor Denis Côté elementos de dois sucessos também lançados em 2019: o brasileiro Bacurau, no sentido da existência de uma comunidade que resolve seus problemas por conta própria, sem recorrer à ajuda externa, e o americano Nós, pelo tom fantástico envolvendo seres misteriosos, que surgem repentinamente. Apesar de tais coincidências, seria leviano - e incoerente - acusar Côté de algum tipo de plágio. Seu Antologia da Cidade Fantasma tem vida própria como metáfora do isolamento, seja ele físico - o interior, a neve -, emocional - as variadas reações ao luto - ou mesmo espiritual - a súbita aparição de tais seres -, seguindo sempre a cartilha do diretor de uma narrativa profundamente rígida, pelo lado estético.

Com isso, a câmera na mão age sempre como se estivesse estática, em longos closes mais interessados nas reações do que propriamente em palavras. Há muito nas entrelinhas do silêncio neste filme, como forma de lidar com tal realidade ou mesmo com a existência de tais personagens. Quando enfim abraça o fantástico, o roteiro o faz com absoluta naturalidade, sem qualquer estardalhaço. Assim é o cinema segundo a ótica de Côté, naturalista aconteça o que acontecer. Que o diga Vic+Flo Viram um Urso (2013), um de seus principais trabalhos.

Como um autêntico filme-coral, Antologia da Cidade Fantasma percorre variados personagens de forma a trazer um mosaico sobre os habitantes deste local ermo, mas sem propriamente se preocupar em aprofundá-los. Há no filme um interesse bem maior em oferecer perguntas do que entregar respostas, o que cria um crescente clima instigante, sutilmente pontuado pela trilha sonora. É na construção de sua ambientação que está a grande beleza deste longa-metragem, seja como metáfora do conflito entre interior e metrópole ou mesmo dos fantasmas internos decorrentes de tamanho isolamento, físico e mental. Destaque também para a bela seqüência em que Côté contrasta a habitual felicidade nas comemorações de reveillon com o semblante profundamente triste de uma mãe que acabara de perder o filho. Seco e doloroso, como são as mazelas escondidas nas entranhas desta comunidade, tão habilmente (e dubiamente) chamada de cidade fantasma.

Filme visto no Festival do Rio, em dezembro de 2019.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deFrancisco Russo (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *