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Sinopse

O ano de 2020 será lembrado por um vírus que parou/alarmou/ameaçou o planeta Terra. A antologia reúne 13 curtas-metragens que capturam esse momento que, se a humanidade tiver sorte, nunca se repetirá.

Crítica

Assim como todos os outros setores da sociedade, a indústria cinematográfica foi fortemente afetada pelo impacto da pandemia da COVID-19. Entre os principais efeitos, além do fechamento das salas e da paralisação das filmagens, estão os cancelamentos/adiamentos dos principais festivais de cinema do mundo. Após ser postergado por tempo indefinido, em meio à quarentena e às incertezas do futuro – antes da decisão pela realização de uma edição totalmente online – , o Fantaspoa, tradicional festival gaúcho dedicado ao gênero fantástico, lançou um concurso, convidando cineastas a trazerem seu olhar sobre esse momento conturbado por meio de curtas-metragens produzidos em casa e com os recursos disponíveis. O resultado é esta Antologia da Pandemia, que reúne os 13 filmes considerados como os mais representativos pelos organizadores do evento. Produções vindas, em sua maioria, do Brasil, mas também do Uruguai, Reino Unido, Estados Unidos, Argentina e Chipre.

Por dividirem a incumbência de retratar a situação atual, é natural que muitos dos curtas terminem abordando as mesmas questões. Uma das principais é a das relações à distância, tendo as videoconferências e os aplicativos de mensagens como elementos centrais. Algo que surge já na trama de Quarentena Sem Fim, do brasileiro Fabrício Bittar, que abre a antologia partindo de um conflito dramático – o desgaste de um relacionamento amoroso causado pelo confinamento – e evolui para o terror, utilizando exclusivamente, e habilmente, as imagens das telas de computadores e smartphones. A ideia hipotética e fantasiosa de que esses meios de comunicação – vídeo e áudio – possam servir como pontes de transmissão do vírus é levantada por Bittar, se repetindo em mais exemplares. O mesmo formato estético e narrativo é adotado pelo diretor Matheus Maltempi em Às Vezes Ela Volta, que também toma como ponto de partida uma questão de forte carga emocional – a dor do luto – para depois migrar para o horror de forma igualmente bem resolvida.

O mesmo não ocorre com o cipriota Roleta Russa, de Andreas Kyriacou, que conta a história de um grupo de amigos reunidos virtualmente para disputar um jogo no qual devem descobrir, dentro do tempo limite de cinco minutos, qual deles foi infectado e evitar sua morte. Buscando se valer de um humor soturno, Kyriacou atinge um resultado irregular, especialmente por conta de seu desfecho. Essa linha tênue que por vezes separa o horror do humor é explorada por mais realizadores, como o brasileiro Junior Larethian em Estúpidemia, que opta pela sátira embebida em uma crítica – um tanto literal demais – sobre o cenário político nacional, ou ainda o argentino Martín Blousson com seu Baldomero, que apresenta uma situação insólita, capaz de despertar real curiosidade, mas que termina sendo frustrante por seu não desenvolvimento e final abrupto. Tal sensação de incompletude, de boas ideias que não tiveram tempo suficiente para maturar, permeia parte dos curtas, por sinal.

Ainda que a urgência e as condições adversas do projeto possam servir como fator atenuante, em alguns casos, a decepção é inevitável. Um deles é o do uruguaio O Último Dia, dirigido por Guillermo Carbonell, que se impõe com ótimos valores de produção e abre espaço para a ficção científica, mas se encerra parecendo uma cena aleatória – de dois minutos – retirada de um longa-metragem. Alguns realizadores escolhem trabalhar apenas com o elemento da ambientação reduzida sem necessariamente inserir o contexto da pandemia, visando criar exercícios de gênero, pura e simplesmente. Caso do britânico Desenterrado, de Karl Holt, ou de Pique-Esconde Macabro, do brasileiro Júlio Napoli Filho, um conto bem-humorado, e que se utiliza conscientemente do visual caseiro, sobre uma boneca possuída. Numa esfera estética totalmente oposta, temos o plasticamente rebuscado Barata, dos Estados Unidos, dirigido por Emerson Niemchick, que conta com uma fotografia em preto e branco para registrar uma história de vingança de tom irônico/crítico, na qual o protagonista busca tirar proveito do caos lucrando com a venda de itens básicos, como papel higiênico, a preços exorbitantes.

Com toques lynchianos e kafkianos, o curta de Niemchick apresenta uma aura onírica presente também no bom Psicopompo, do brasileiro Giordano Gio, outro que toca em temas políticos, mesclando-os a doses de metalinguagem e mitologia egípcia, e no argentino Eclosão, de Alejo Rébora, que acumula ideias ambiciosas sem espaço para desenvolvê-las, soando confuso. Por fim, temos os dois pontos altos do projeto, ambos do Brasil, de propostas distintas, mas com igual aptidão para a fabulação. O primeiro, A Mancha Na Parede, de Daniel Pires, talvez seja o exercício de gênero de narrativa mais tradicional, porém, é também o mais bem-sucedido na criação de uma atmosfera de terror, tratando ainda da questão da solidão do isolamento com tintas filosóficas, poéticas. Já Jérôme: Um Conto de Natal, de Beatriz Saldanha, surpreende ao trazer uma perspectiva singular, a dos animais de estimação - no caso, um gato. Assim, apresentando ótimas soluções visuais, a cineasta acompanha o cotidiano do bichano, às vésperas do feriado natalino, lutando para sobreviver após a morte do dono, e insere um inusitado elemento satânico de forma extremamente divertida.

No geral, Antologia da Pandemia, como boa parte das empreitadas dessa natureza, exibe certa irregularidade. Ainda assim, acaba sendo um projeto que, além fazer jus ao espírito do cinema de invenção, em que a criatividade e o improviso se sobrepõem às limitações de recursos, e de reforçar as novas possibilidades de produção audiovisual independente, não deixa de ser um registro efervescente de um recorte da história que todos ainda estamos vivendo e que, definitivamente, será muito debatido no futuro.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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