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Sinopse

Antonio Bandeira: O Poeta das Cores reconstitui a vida e analisa a obra do artista plástico cearense que ganhou renome internacional. Conduzido por seu sobrinho Francisco, coleta depoimentos de artistas, curadores e críticos de arte, que desvendam as influências, técnicas e transformações de seu trabalho e o legado deixado pelo pintor, ajudando a decifrar sua trajetória na vida e na arte. Documentário.

Crítica

Em Paris é uma Festa, o escritor norte-americano Ernest Hemingway conta como era a sua vida na Paris dos anos 1920, um cenário pós-Primeira Guerra Mundial recheado de artistas que, assim como ele, encontraram na capital da França uma base de criação. Na convivência com Gertrude Stein, James Joyce, Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald, entre outros, ele experimentou uma atmosfera de transformação e enfrentou a pobreza – chegando no livro até a romantizar um pouco a necessidade de pular refeições e contar com a bondade de estranhos enquanto os seus escritos não eram retribuídos financeiramente. Antonio Bandeira: O Poeta das Cores não se passa na mesma época, mas em alguns momentos remete imediatamente à sensação obtida pelos leitores de Hemingway: a de estar diante de um artista maiúsculo “crescendo” numa Paris pós-guerra que então ansiava por encontrar a sua redenção e reconstrução por meio da arte. O documentário que venceu o troféu Mucuripe de Melhor Filme da mostra Olhar do Ceará do Cine Ceará 2024 é sobre o artista plástico e poeta Antonio Bandeira. Nascido na cidade de Fortaleza, ele teve boa parte de sua vivência e amadurecimento na Europa, justamente na capital francesa coalhada de artistas do mundo todo que para lá foram depois do conflito que arrasou o século 20. Antonio viveu sua própria festa em Paris, convivendo com a burguesia e o baixo clero local.

Antonio Bandeira: O Poeta das Cores

Antonio Bandeira: O Poeta das Cores é um documentário do tipo “cabeças falantes”, ou seja, seu princípio narrativo é o acúmulo de entrevistas com personalidades falando do protagonista, geralmente fotografadas num único cenário e quase sempre sentadas imóveis. É frustrante que um filme sobre alguém tão criativo visualmente como Antonio seja pobre do ponto de vista imagético, conformado com uma linguagem mais informativa que tem a ver com jornalismo. O resultado é o que costumamos chamar de “filme enciclopédia”, pois não vai muito além de ilustrar o verbete, um resumo da vida e da obra do biografado. O cineasta Joe Pimentel, que assina o roteiro com Marcus Sá, cria um mosaico de depoimentos que se autocompletam. Fulano fala uma coisa e a mesma linha de pensamento é continuada por cicrano e assim sucessivamente até o encerramento. Não há tensão. Havia outras possibilidades de abordagem, como utilizar o sobrinho do protagonista, o também artista plástico Francisco Bandeira, como um fio condutor interessante. O filme até começa desse modo, com o parente fisicamente semelhante ao gênio falecido transitando pelos cenários em que o ícone passou durante as suas estadias na Cidade Luz. Francisco poderia facilmente assumir o status de fastasmagoria, de um passado quase presentificado na telona ou mesmo ser o filtro pelo qual toda a jornada de descoberta passaria.

No entanto, Joe Pimentel prefere transformar esse possível fio condutor numa presença um tanto burocrática e esparsa demais para fazer a diferença em termos de linguagem. Mas, mesmo que estejamos diante de um filme infelizmente muito mais convencional do que poderíamos imaginar tendo em vista a inventividade do biografado, Antonio Bandeira: O Poeta das Cores tem a qualidade de prestar uma justíssima homenagem a quem se deve. As falas interligadas de críticos de arte, colecionadores, amigos, familiares, admiradores de longa data e membros da classe artística nos ajuda a dimensionar quem foi Antonio Bandeira, qual a sua importância para a transformação, primeiro, do cenário artístico cearense e, segundo, para a evolução de um pensamento abstracionista brasileiro que tinha a ver com uma experiência europeia pós-guerra. Provavelmente, dentro dos depoentes, os mais conhecidos do grande público são o cineasta Halder Gomes, apreciador e exímio conhecedor de artes plásticas, que fala com muita paixão do trabalho de Antonio, e Walter Carvalho, um dos grandes diretores de fotografia do cinema sul-americano, que também se derrete em elogios às obras do artista reverenciado abertamente. Então, por mais que do ponto de vista linguístico o documentário seja tradicional e pouco imaginativo, ele tem o mérito de sintetizar muito bem as riquezas da vida e obra do personagem.

Antonio Bandeira: O Poeta das Cores

Não se sabe ao certo por quais atribulações as equipes passam nos bastidores. A não ser nas curiosidades muitas vezes compartilhadas com o público no processo de lançamentos dos filmes, dificilmente temos uma dimensão precisa do que poderia ser e acabou não sendo. Além da utilização do sobrinho fisicamente semelhante e igualmente artista como um fio condutor promissor, Antonio Bandeira: O Poeta das Cores também acaba subaproveitando outro dispositivo narrativo: as palavras do próprio Antonio Bandeira, aqui ditas pelo ator Claudio Jaborandy. Será que o autor precisou abandonar ambas as possibilidades narrativas por algum motivo e se viu obrigado a abraçar o convencionalismo das “cabeças falantes” para preservar a intenção da síntese informacional? Ou será que Joe Pimentel não tinha a intenção, desde o princípio, de seguir o fio dessa história tendo como guias o sobrinho-fantasma ou mesmo as próprias palavras do protagonista interpretadas com acento lírico? Como ao crítico é preciso lidar com o fato consumado, portanto, o filme feito, resta perceber que ambas as dinâmicas são infelizmente abandonadas antes mesmo de terem qualquer importância, sendo retomadas com certa frequência, mas nunca assumindo o comando do leme dessa embarcação que navega em águas tranquilas. O resultado é bem-sucedido em termos de homenagem e informação, mas poderia ir além, como o próprio diz nos momentos em que lampejos de criatividade sobressaem.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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