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Sinopse

​Vera, uma ex-combatente da ditadura militar que viveu em diversos países da América do Sul, é mãe de Tânia, que, casada com outra mulher há quinze anos, está grávida do primeiro filho do casal.

Crítica

Lançado em 2019 no Festival do Rio, Aos Nossos Filhos atrasou sua estreia no circuito comercial em mais de dois anos por conta da pandemia da Covid-19. Na época, o filme já seria de igual forma contestado por sua imparcialidade diante de alguns aspectos da sociedade brasileira, tais como homofobia e racismo. Em 2022, num cenário de ignorância atroz do governo vigente, a trama que, ao melhor estilo jornalístico da velha guarda, sugere ingredientes para que o receptor faça sua receita, dificulta seu encaixe na atual conjuntura, infelizmente, flertando com a indiferença.

Dirigido pela cidadã do mundo Maria de Medeiros, fluente em seis idiomas e que já trabalhou com diversos deles, o projeto mistura três pilares do debate contemporâneo. Preconceito, autoritarismo político e imposição familiar fundamentam a relação das personagens Vera - vivida de forma intensa e amarga por Marieta Severo - e Tânia (Laura Castro), mãe e filha que possuem bandeiras não opostas, mas que estão mergulhadas em históricos familiares angustiantes, portanto frágeis. Vera é uma ex-perseguida pela última ditadura militar, coordenadora de uma ONG com fins adotivos e progressista, mas que ao mesmo tempo não aceita a orientação e as escolhas da herdeira. Tânia é lésbica, casada com Vanessa (Marta Nobrega) e que tem o sonho de dar à luz por meio de inseminação artificial, algo classificado como "capricho" pela matriarca.

Esse choque de contradições proposto pela diretora - inspirado na peça homônima da própria Laura e que toma emprestado o título da famosa canção de Ivan Lins - argumenta sobre os conflitos geracionais do país e propõe debates entre as protagonistas. Entretanto, as discussões surgem sob uma colcha de egos inflados e que, a cada início de conversa, logo são sufocados e jogados ao campo do senso comum. A oferta aqui necessária é mais do que atenção aos detalhes, mas também boa vontade excessiva para que o espectador assimile mulheres vanguardistas e, ao mesmo tempo, intransigentes. Parte dessa retórica, que enfraquece as personagens, também abre portas para tentar entender qual a real intenção da cineasta em debater o que já não possui mais espaço para ser dialogado em um país terceiro-mundista. Há brecha, inclusive, para o surgimento de um filho perdido da ditadura, Sérgio - encarnado de forma sútil por Cláudio Lins, filho do próprio Ivan. Ele transita entre o real e o onírico na mente de Vera, desdobrando reconciliações com um tempo passado.

Aos Nossos Filhos (2019) é o resultado de uma combinação de vários temas relevantes, mas sob um olhar elitizado e estrangeiro, apresentando, por exemplo, um garoto negro cercado por estereótipos e diversos "white people problems" (jargão que se popularizou na web para classificar problemas fúteis de pessoas ricas). Poderia, facilmente, ter sido realizado entre o final dos anos 1980 e o final dos anos 2000. Hoje, suscita interpretações demasiadas num período perigoso da nossa história. No frigir dos ovos, possui, de fato, boa vontade e não deixa de ser mais uma carta simbólica aos desconhecedores de um sistema opressor e sem democracia. Todavia, cartas já não são suficientes para derrubar a insciência.

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Fanático por cinema e futebol, é formado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Feevale. Atua como editor e crítico do Papo de Cinema. Já colaborou com rádios e revistas como colunista de assuntos relacionados à sétima arte e integrou diversos júris em festivais de cinema. Também é membro da ACCIRS: Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul e idealizador do Podcast Papo de Cinema. CONTATO: victor@papodecinema.com.br

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