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Sinopse

Policial da força-tarefa antinarcóticos, Samad trabalha numa cidade repleta de viciados. Ele consegue prender Nasser, influente traficante das cercanias, então sentenciado à morte. Mas Samad descobre que o bandido foi, na verdade, forçado a envolver-se com a criminalidade por suas péssimas condições de vida.

Crítica

O primeiro elemento de destaque neste filme policial iraniano diz respeito ao escopo do projeto, traduzido no “valor de produção”. Desde a cena inicial, uma perseguição frenética pelos bairros populares de Teerã, até os embates dentro da cadeia, com centenas de figurantes, passando por uma representação caótica das favelas locais (com pessoas morando em imensas tubulações abandonadas), Apenas 6.5 inclui dezenas de cenários, dúzias de personagens importantes, retratados em grandes planos aéreos e em tensos debates na delegacia. O foco do projeto se encontra na luta do país contra as drogas, em especial o crack, que vitimiza “apenas 6,5 milhões de iranianos”, segundo um policial, contente com a redução do número que já teria sido, um dia, muito maior.

Narrativas policiais do gênero costumam se focar numa pluralidade de casos a resolver, de modo a demonstrar as qualidades do herói em articular tantas vertentes enquanto ainda se revela um bom pai e ser humano íntegro. Ora, no filme dirigido por Saeed Roustayi, a extensa narrativa se concentra num único caso urgente, enquanto descobrimos pouco sobre o policial Samad (Payman Maadi), da força antinarcóticos. Em oposição, quem tem seu histórico familiar destrinchado é o maior traficante local, Nasser Khakzad (Navid Mohhamadzadeh), um milionário de origem paupérrima. Enquanto a trama se desenvolve em proximidade do tempo real, o que aumenta a sensação do registro ao vivo (a maior parte do caso é investigada em pouco mais de um dia), o filme dirige o olhar não à obstinação do herói, mas à complexa formação do caráter do antagonista.

Esta configuração, por si só, bastaria para separar o projeto de tantas narrativas policiais equivalentes, mas Apenas 6.5 vai além ao equiparar estes dois homens em seus códigos de ética questionáveis: tanto o policial quanto o traficante são impiedosos com os adultos, porém clementes com crianças; ambos são arrogantes e gananciosos, visando a glória e o reconhecimento de seus próximos, e ambos terminarão, em algum momento, algemados e presos dentro de uma cela. Obviamente, rumo ao final, as convenções do gênero forçam o filme a separar muito bem mocinhos e bandidos, colocados em lados opostos, e também em alturas distintas – Samad observando Nasser do alto, em posição literalmente superior – porém a trajetória até esta condenação trata de aproximá-los de modo a borrar o maniqueísmo.

Ao espectador, cabe o prazer de presenciar não apenas uma rede intricada de informações, mas uma série de cenas surpreendentemente bem dirigidas, fotografadas e editadas. Como diversos personagens estão envolvidos na intriga, a edição permite que bons coadjuvantes assumam o protagonismo em cenas complexas, como o depoimento da ex-namorada de Nasser e a decisão de um juiz entre condenar o pai deficiente ou o filho de doze anos de idade por porte de drogas. Estes instantes se tornam ainda melhores graças ao elenco excelente, capaz de alternar entre a indignação, o humor e o desespero, às vezes na mesma cena. Payman Maadi e Navid Mohammadzadeh são dois atores soberbos, de modo que os embates entre ambos (vide a cena dentro do camburão) produzem uma qualidade cinematográfica notável. Enquanto lutam por controle um sobre o outro, digladiam-se num complexo jogo de poderes: o traficante tenta comprar o policial com propina, e este, tenta vencer o inimigo pelo orgulho de prender um chefe do crime. Neste filme de diálogos ágeis, os embates se resolvem sobretudo em chantagens e manipulações verbais (incluindo um mecanismo semelhante à delação premiada), ao invés de armas, com exceção de uma lamentável cena em que se minimiza a barbárie da tortura na prisão.

De modo geral, Roustayi imprime os prazeres do cinema popular de ação sem reduzir a complexidade de seu painel sociocultural. É certo que, no terço final, Apenas 6.5 amplia o tom melodramático e se aproxima perigosamente do moralismo no que diz respeito às drogas. Mesmo assim, o diretor busca instantes de poesia para aliviar a tragédia, ao exemplo da bela cena em que o sobrinho faz piruetas para impressionar o tio condenado à prisão. Este é o delicado equilíbrio obtido pelo projeto: há espaço tanto para demonstrações de virilidade e heroísmo por parte de Samad e Nasser quanto para um questionamento sobre as raízes de seus comportamentos. No espelhamento entre os dois homens e no convite ao espectador para se identificar com ambos existe um germe de empatia muito bem-vindo dentro de um gênero tão associado à ação pouco reflexiva.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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