Crítica
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Sinopse
Ella tem sua vida completamente mudada após conhecer Abel. A moça descobre uma Paris cosmopolita, vibrante, e os círculos underground, onde mandam a adrenalina e o dinheiro.
Crítica
No começo, a impressão é de já ter visto antes. Não só pela semelhança física de Tahar Rahim, que interpreta Abel, o protagonista masculino de Apostando Alto, com o inglês Jim Sturgess, que estrelou o similar Quebrando a Banca (2008), mas pelos lances rápidos da edição, pela fotografia que mergulha nos personagens e pela ambientação em cassinos clandestinos, como visto em diversos sucessos, de 007: Cassino Royale (2006) à trilogia iniciada com Onze Homens e um Segredo (2001). Mas se os cenários e as figuras que por eles transitam parecem ser familiares, os dramas vividos é que se encarregarão de fazer a diferença. Ainda mais quando, após a meia-hora inicial da trama, o enredo tratar de dar uma guinada apontando para uma outra – e inesperada – direção. Será essa mudança responsável por elevar o conjunto acima de uma mediocridade domesticada. Ainda que, no entanto, fique evidente a falta de coragem da diretora Marie Monge, que não consegue sustentar essa transição até o seu desfecho, para no lugar abrir espaço a um final melodramático e redundante.
A questão é que Abel não é um homem qualquer. Como já visto em outros trabalhos de Rahim, como O Profeta (2009) ou Samba (2014), por exemplo, ele mais uma vez entregará um malandro irresistível, do qual poucos conseguem – e, mesmo assim, com muito esforço – se afastar. E esta não é uma impressão leviana: não será apenas Ella, a jovem vivida por Stacy Martin, que se pensava tão segura, mas acaba seduzida sem possibilidade de retorno pelo galanteador, como também os amigos dele e até mesmo seus credores, que vez ou outra, apesar de tudo apontar o contrário, seguirão lhe dando uma nova chance. Mas nem todo crédito do mundo é infinito, e uma hora a maré muda, se voltando contra aquele que acreditava estar no controle. Na hora do aperto, não haverá sentimento mais forte do que a necessidade de salvar o próprio pescoço.
Portanto, se no começo Apostando Alto se anuncia como mais um filme de golpe, com um espertalhão ensinando o passo a passo à namorada da ocasião para que os dois se deem bem num jogo de apostas no qual se veem como os mais espertos, aos poucos a narrativa sugerida pela cineasta em parceria com os roteiristas Julien Guetta e Romain Compingt (este último premiado em Cannes e indicado ao César por Divinas, 2017) vai se transformando em um estudo sobre um relacionamento abusivo e problemático, do qual ele tudo suga de uma parceira que entrega o que tem e além em nome de uma retribuição – seja afetiva ou material – que nunca chega a lhe ser concedida. Quando se percebe, a garota não possui mais trabalho, família e mesmo o apartamento onde mora está lhe escapando pelas mãos. Tudo por causa de um homem irresponsável que pensa somente em si, e em mais ninguém. Uma realidade que, por mais evidente que seja, ela se mostra incapaz de vislumbrar.
Não é fácil construir uma personalidade tão leve, cativante e envolvente, mas que, mesmo assim, permita lampejos em suas fissuras de um lado soturno e problemático, da maneira como Tahar Rahim consegue – soa ser tão fácil, e, justamente por isso, é preciso dedicação para que esse feito se viabilize. Por outro lado, a descida aos infernos – e o sofrimento que irá penar em busca de uma eventual recuperação – revelará uma Stacy Martin que nem mesmo suas performances mais conhecidas, como no díptico Ninfomaníaca (2013) ou no hollywoodiano Todo o Dinheiro do Mundo (2017) permitiram antever. Os dois parecem lados opostos de uma mesma moeda, impossíveis de conviverem juntos, e por isso destinados a se destruírem mutuamente.
Como dito no começo desse texto, tal mudança de diretriz poderia ser suficiente para transformar Apostando Alto em um curioso – e perturbador – estudo de personagens e, principalmente, do relacionamento danoso que os une. Monge, no entanto, acaba cedendo às pressões que pedem por uma formato mais tradicional ao estruturar uma conclusão comportada, quase um Bonnie & Clyde improvável e doentio do qual o amor não se sustenta e o comportamento vicioso parece ser o único a permanecer ativo, mesmo após tantos tropeços. Se pelos atores o resultado não chega a ser descartável, por outro lado é impossível evitar uma sensação de lamento diante do desperdício de um conjunto que apresentava tamanho potencial, mas que se mostra satisfeito em alcançar apenas o mais básico dos resultados.
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