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Crítica


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Sinopse

Arthur Curry, mais conhecido como Aquaman, ainda é um homem solitário, mas quando começa uma jornada ao lado de Mera em busca de algo muito importante para o futuro de Atlantis, ele aprende que não pode resolver tudo sozinho.

Crítica

Ao menos no oceano, o mar leva as lágrimas embora”, ela diz chorando, para então ouvir como resposta: “aqui na terra elas ficam conosco, para que a gente aprenda o peso que têm”. Esse diálogo, ouvido ainda no prólogo de Aquaman, dá o tom meloso e um tanto cafona de como serão as próximas duas horas do sexto longa do Universo Estendido DC no cinema. Após um acerto (Mulher-Maravilha, 2017), um título controverso (O Homem de Aço, 2013) e três desastres (Batman vs Superman: A Origem da Justiça, 2016, Esquadrão Suicida, 2016, e Liga da Justiça, 2017), o estúdio precisava de um acerto para seguir adiante com seus planos de expansão destes personagens clássicos na tela grande. Infelizmente, é pouco provável que o longa comandado por James Wan consiga atender a essa expectativa. E como o próximo capítulo anunciado – Shazam!para 2019 – já deixou claro que o tom a ser empregado será o da comédia leve e pouco responsável, é preciso admitir que as perspectivas não são nada boas para esse projeto que tinha tudo para ser tão grandioso quanto divertido.

Arthur Curry (Jason Momoa, com carisma que transborda da tela, revelando-se a única presença em cena a sustentar a atenção da audiência durante o desenrolar de uma trama confusa e que se estende muito além do necessário) é filho de uma rainha atlante (Nicole Kidman, pagando TODOS os boletos atrasados, em uma participação mínima, mas que não a isenta de momentos constrangedores, como comer um peixinho de aquário ou vestir uma fantasia de caranguejo) com um humano. Ela fugiu de um casamento arranjado por não amar o futuro rei, mas acaba se entregando ao primeiro homem que surge em seu caminho. A impressão é que o noivo abandonado deve ter lhe dado alguns anos de vantagem, pois seus oficiais só a encontram – no mesmo e exato lugar onde ela deixou as águas – muito tempo depois, já casada e com um filho pequeno. Após derrotar aqueles que pretendiam levá-la de volta (em uma sequência em que o CGI grita de tão ostensivo e artificial), ela decide retornar por conta própria. “Só assim você e o nosso filho estarão a salvos”, se justifica para o marido.

Essa incongruência nas ações dita a maior parte dos eventos e motivações de Aquaman. A rainha Atlanna (Kidman), pelo que se fica sabendo, voltou para casa como se nada tivesse acontecido, casou-se como havia sido programado desde o começo e teve outro filho, agora um herdeiro legítimo do trono. Somente após mais uma passagem de tempo é que os atos dela na superfície vêm à tona (o trocadilho é irresistível) e, como castigo, é condenada à morte (!). Tudo isso, no entanto, o espectador apenas houve falar em conversas bastante expositivas, para que seja possível entender por que o príncipe Orm (Patrick Wilson, exagerando nas caretas) deseja se tornar o Mestre dos Mares e, com isso, declarar guerra aos terráqueos. Frente à essa ameaça, sua noiva, a princesa Mera (Amber Heard, mais preocupada com a peruca e os figurinos apertados do que em tentar ser minimamente convincente) decide abandoná-lo, partindo atrás do irmão bastardo – Arthur, é claro – para que esse se oponha aos planos megalômanos do meio-irmão, ocupando o seu lugar de direito (afinal, é ele o primogênito).

Nesse ponto, é importante dar um passo para trás e analisar as coisas com um pouco mais de calma – por mais que Wan deixe claro que não deseja ver ninguém fazendo nisso, tal é a quantidade de elementos que infesta a tela a todo instante, num excesso de informações que até demonstra uma certa riqueza visual, porém na mesma proporção em que coloca em evidência a sua falta de foco. Mas voltando ao argumento do filme: Orm quer deixar o anonimato dos povos submersos e se revelar aos que moram na superfície por um motivo muito simples: está cansado de ver os humanos infestar os sete mares com sujeira e poluição. Em um certo momento, ele decide mandar um pequeno “recado” aos da terra, devolvendo às praias um pouco do lixo que é jogado nos oceanos: e isso já é suficiente para que uma catástrofe global se avizinhe. Veja bem, ele não ataca, não ameaça, não faz uso de força: apenas retorna aquilo que jogaram sobre a sua cabeça. É um guerreiro ecológico, portanto. Mas Mera, sua prometida companheira, que passou a vida inteira também embaixo d’água, decide ir contra essa lógica, rebelando-se e decidindo apoiar um desconhecido para que esse o enfrente sob qual justificativa? Para que os homens possam continuar infestando os mares com os seus dejetos. Qual é o lado certo dessa questão, afinal? Não parece ser muito difícil perceber.

Mas há mais problemas – e muitos seguindo a mesma linha. Tudo que Atlanna faz é por amor – o mesmo sentimento que Mera despreza literalmente ao afirmar que “aos atlantes, o que importa é a honra e a família”. Como assim, se ela, logo em seguida, faz justamente o contrário? Nicole Kidman teve seus dias de Joan Crawford em fim de carreira (quando estrelava filmes B como Trog: O Monstro da Caverna, 1970) ao tentar defender um texto como “o tridente do seu pai é guardado por Karathen – sim, pois a criatura terrível das nossas lendas existe de verdade – e ele só poderá ser recuperado por alguém maior do que um rei”, dando a deixa para Arthur perguntar: “mas o que pode ser maior do que um rei?”, e ela concluir, esforçando-se para não cair no riso (imagina-se): “um herói”! Bom, a cena seguinte, que se dá entre Aquaman e a fera, não é menos digna de piada. Afinal, após afirmar que em todo esse tempo em que defendeu aquele lugar sagrado, nunca ficou diante de alguém tão não-merecedor de estar ali – apenas para, em questão de segundos, ser convencida do contrário e liberar o acesso dele ao artefato. Pobre Julie Andrews (sim, a vencedora do Oscar por Mary Poppins, 1964, foi escalada para dublar a tal fera submarina), que já teve dias melhores!

Mas há mais ruído em cena. Enquanto o protagonista precisa aprender a lidar com a extensão das suas habilidades, descobrir o amor ao lado da nova – e inesperada – companheira e ir atrás das responsabilidades dos seus antepassados, Orm está envolvido até o pescoço em debates políticos – a semelhança das discussões aqui se dá com o mais entediante de todos os capítulos de Star Wars, o Episódio I – A Ameaça Fantasma (1999). Aliás, a proximidade temática com esse contexto não é por acaso. Há criaturas fantásticas por todos os lados, de polvos tocando OITO tambores ao mesmo tempo a tubarões e cavalos-marinhos gigantes fazendo às vezes de transporte (pra que, se todos nadam absurdamente rápido? Difícil entender). E entre povos distantes, como o Reino da Salmoura (sim, ele existe) e outros tão bizarros quanto, não será raro aquele na audiência que ficar com a impressão de estar diante de um O Senhor dos Anéis submarino – há até a versão assustadora dos orcs de combate!

E como estamos falando de um filme de super-herói, ninguém ainda duvida que no final tudo dará certo. Sem suspense nem tensão, o embate que deveria conter ao menos algum clímax é reduzido a uma mera discussão familiar que termina com um “vá para o quarto e pense a respeito do que você fez, assim que estiver mais calmo a gente conversa”, ou algo do gênero. Nomes de peso, como Willem Dafoe (desperdiçado como um tutor com pouca – quase zero – influência tem nos acontecimentos) e Dolph Lundgren (sem oportunidade para fazer uso da sua persona atlética) não passam de alegorias, enquanto que outras, como a do segundo vilão (olha o exagero aí de novo), que ganha forma no Arraia Negra (vivido pelo desconhecido Yahya Abdul-Mateen II, de O Rei do Show, 2017), nunca chegam a empolgar, por mais que ameacem. Dando mais espaço à mitologia dos personagens do que o citado Mulher-Maravilha – ou mesmo os três Thor em conjunto! – e sem profundidade suficiente para desenvolver cada uma das possibilidades que chega a desenhar, Aquaman vai além do tedioso, confirmando-se como um exercício de ego desnecessário que mais joga contra do que a favor da causa. Se apenas morresse na praia (olha aí de novo), já seria problemático. Mas se afogar na própria ânsia, aí, sim, é um pouco demais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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