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Sinopse

Aquaman deve forjar uma aliança poderosa, a fim de proteger Atlântida e o resto do mundo, quando um poder ancestral é libertado.

Crítica

Mesmo sendo alvo de inúmeras críticas nada elogiosas, Aquaman (2018) faturou mais de US$ 1 bilhão nas bilheterias mundo afora. Atribuir isso ao velho clichê do abismo entre os especialistas e o público seria improdutivo e apenas ajudaria a reforçar um estereótipo tolo. Há bem mais coisas entre a qualidade e a resposta comercial de uma produção cinematográfica. Ou vocês acham que o investimento enorme em marketing não tem a sua cota de responsabilidade para os resultados financeiros? Pois bem, Hollywood evidentemente deu sinal verde à continuação, afinal de contas o sucesso econômico é a grande chave (ou o tridente mágico?) da meca do cinema estadunidense. Aquaman 2: O Reino Perdido é essa sequência tão preguiçosa quanto o seu antecessor, talvez vencendo apenas no quesito efeitos digitais – que, mesmo não sendo nem bons, pelo menos nos privam de momentos constrangedores como o rejuvenescimento do pai do protagonista no longa-metragem de 2018. No mais, temos o vilão requentado, o Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II), decréscimos significativos (sendo o principal deles Willem Dafoe) e uma história que continua atropelando situações, assim reduzindo potenciais dramáticos em prol de uma correria que transforma tudo numa massa meio homogênea e sem gosto. Se as últimas produções estreladas por super-heróis anunciaram uma sensação de esgotamento, aqui ela se confirma, sobretudo pela reciclagem desavergonhada de vários elementos de outras produções.

Repetindo o que a Marvel vem fazendo com seus personagens que precisam “crescer”, a DC resolveu começar Aquaman 2: O Reino Perdido mostrando que o Rei de Atlântida agora é pai – aliás, um modo bastante conservador de sinalizar maturidade, não é mesmo? Arthur/Aquaman (Jason Momoa) começa a história fazendo equivalências engraçadinhas entre as tarefas como regente submarino e as responsabilidades do cargo de pai. E para que serve essa paternidade? Simplesmente para Aquaman ter por quem lutar desesperadamente em certos instantes da trama. Nada mais do que isso. O roteiro assinado por David Leslie Johnson-McGoldrick não contempla alterações significativas no personagem em virtude das mudanças de estatuto – antes plebeu e solteiro, agora regente, casado e pai. Aliás, a família real é utilizada estritamente como alvo do vilão para criar pequenos episódios supostamente emocionantes em que o protagonista precisa temer pela vida dos seus para dar algumas porradas mais fortes e se emocionar. Falta substância em praticamente tudo nessa continuação conformada em reproduzir modelos esgotados antes mesmo de eles serem utilizados à exaustão nos filmes de super-heróis. Senão vejamos. O porra-louca que precisa ser responsável ao virar pai, a esposa que aparece como suporte emocional (e às vezes bélico), as tensões entre irmãos disputando o mesmo espaço na corte, o surgimento providencial de coisas que esticam a aventura, os coadjuvantes fofos, etc.

Mas, o que torna Aquaman 2: O Reino Perdido descaradamente produto da falta de ideias é a maneira pouco criativa/espirituosa/autoconsciente com a qual recicla inúmeros componentes de outras produções, no que poderia ser classificado como pot-pourri de cultura pop. A mãe guerreira que regressa para ajudar o(s) filho(s) é “chupada” da Saga Como Treinar o Seu Dragão – de maneira semelhante, a personagem aparece depois de anos exilada num local ermo e se transforma numa espécie de conselheira que bota a mão na massa fazendo jus à fama de guerreira. Em certo momento, Aquaman e seu irmão, Orm (Patrick Wilson), vão parar numa ilha repleta de criaturas gigantes que parecem ter sido tiradas de Kong: Ilha da Caveira (2017); a intriga palaciana entre irmãos disputando o torno, com o bonzinho recorrendo ao malvado contra um inimigo poderoso, é assumidamente copiada da Saga Thor (Aquaman chega a chamar Orm de Loki); a mitologia e o visual do tal reino perdido é uma cópia-carbono do retrato que Peter Jackson fez de Mordor na Saga O Senhor dos Anéis, com direito a vilão cujo design é bem semelhante ao de Lorde Sauron – que também forjou um item mágico capaz de controlar poderes malignos destrutivos; em certo momento, os irmãos atlantes visitam o detentor da informação sobre o paradeiro do vilão e ele é um decalque de Jabba The Hutt da Saga Star Wars em quase tudo: comerciante monstruoso, corpulento e viscoso. Trata-se de uma coletânea.

Aquaman 2: O Reino Perdido tem o sabor daquelas sopas improvisadas, feitas de sobras de refeições anteriores. Pode até encher barriga, mas não tem sabor próprio, deixando aos que dela forem se alimentar um retrogosto de “é o que tinha na geladeira”. Orm fica a anos luz de ter a mesma dubiedade moral impressa por Loki no Universo Marvel, sendo unicamente um sujeito de ideias tortas que vai amolecendo enquanto convive com o irmão mais velho. Já Aquaman parece mais preocupado em ser espirituoso do que se impor como super-herói e regente de um dos impérios mais desenvolvidos. Como em boa parte dos filmes de super-heróis, o vilão é tratado como mero obstáculo, não ganhando tempo suficiente de desenvolvimento para além do perigo que representa. Além disso, há questões ideológicas complicadas no filme, como quando Aquaman passa por cima do conselho de Atlântida (espécie de congresso/parlamento), assumindo uma postura nada republicana, algo ignorado como problema pelo filme (afinal de contas, fins justificariam meios). E toda a carga de responsabilidade pelo aquecimento global é colocado nas costas do vilão fantasmagórico que pretende ressurgir no nosso plano físico. Para fechar com “chave de ouro” a grosseira reutilização de dinâmicas de outros filmes, Atlântida vive o dilema de Wakanda (o reino do Pantera Negra) entre se esconder ou se abrir ao mundo, unindo-se a ele – com direito a discurso do jovem e impetuoso regente na assembleia da ONU.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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