Crítica
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Sinopse
Aqui acompanha diversas famílias ao longo de gerações, todas conectadas por um espaço que um dia chamaram de lar. Uma viagem pela linha do tempo da humanidade, onde tudo acontece em um único lugar. Com Tom Hanks e Robin Wright.
Crítica
Robert Zemeckis já foi um dos queridinhos de Hollywood. Também pudera. Um dos destaques entre os que herdaram o cinema norte-americano da geração contracultural dos anos 1960/70, foi o grande nome criativo por trás da saga De Volta para o Futuro, dirigiu Uma Cilada para Roger Rabbit (1988), A Morte lhe Cai Bem (1992), Forrest Gump: O Contador de Histórias (1994) – que rendeu a ele o Oscar de Melhor Direção -, e Náufrago (2000). De lá para cá, passaram-se 25 anos sem que o realizador apresentasse um sucesso semelhante aos citados. Estaria Zemeckis acabado ou artisticamente esgotado? Aqui é a sua nova tentativa de fazer as pazes com público e crítica. A premissa pressupõe um desafio técnico/artístico considerável, pois apresenta uma câmera quase cem por cento do tempo imóvel registrando milênios num mesmo ponto da Terra. É isso. A imagem fica estática durante praticamente 104 minutos, mas isso nem de longe significa monotonia ou inércia. Uma vez que o dispositivo não se move, a montagem assinada por Jesse Goldsmith se encarrega de conectar tempos e espaços diferentes. Ainda que o diferencial seja a permanência dessa câmera-testemunha nas mesmas latitude e longitude, os cenários utilizados são diversificados. Do pântano onde borbulham os primeiros traços de vida, passando pelo apocalipse que erradicou os dinossauros, chegando até o testemunho de várias famílias ao longo das décadas onde passou a existir uma casa. A proposta do filme que chega aos cinemas em 16 de janeiro é ousada e tem bons resultados.
Aqui conta com proezas técnicas bem ao gosto das tentativas vanguardistas de Robert Zemeckis. A começar pela tecnologia de rejuvenescimento capaz de fazer Tom Hanks e Robin Wright voltarem à adolescência. Os efeitos digitais são essenciais para credibilidade visual das transições temporais, sobretudo nos momentos da pré-História (embora curta, é feroz a chuva de meteoros que, presumimos, extinguiu os dinossauros da Terra). O renomado cineasta combina habilmente esses recortes de numerosas vidas, às vezes criando blocos temáticos interligados por certas semelhanças, em outras pontuando algo específico de uma época (como a pandemia da Covid-19, por exemplo). É instigante esse trajeto delineado pelo roteiro que Zemeckis elaborou a quatro mãos com o não menos experiente Eric Roth. O quadro, em princípio condenado à imobilidade, é fracionado para vermos simultaneamente várias temporalidades. Desse modo, a fotografia de Don Burgess tem uma importância extra, pois a ela cabe a sincronicidade, a unidade visual repleta de pequenos obstáculos que são habilmente contornados. Então, a cena na qual acompanhamos a rotina doméstica de uma mulher eufórica enquanto passa o aspirador de pó na sala ganha janelas para outros tempos e cenários na mesma localização geográfica, o que causa uma sensação de testemunho da existência. Em alguns instantes essa sobreposição é linda.
Diante da premissa e das primeiras imagens, podemos imaginar que Robert Zemeckis pretende deste longa-metragem algo semelhante ao que Terrence Malick fez com A Árvore da Vida (2011), ou seja, expandir a percepção rumo uma ideia transcendente. Não é exatamente o que acontece, até porque o filme de Zemeckis tem uma pegada muito mais romântica do que existencialista. Seu foco permanece na construção de um discurso sobre a transitoriedade, não chegando a tatear os segredos obscuros da humanidade. Aqui não é daquele tipo de obra que mergulha no desconhecido buscando respostas aos questionamentos instigadores de filósofos, religiosos e demais pensadores há milênios. Trata-se de um filme bonito a respeito de famílias atravessadas pelas mudanças do tempo, diante de fenômenos como a vida e a morte, afetadas por acontecimentos históricos, tais como guerras mundiais, pandemias, crises econômicas, etc. Nesse sentido, Zemeckis poderia ter utilizado um pouco melhor a presença indígena e também os escravizados vistos esporadicamente para reforçar o seu compromisso com essa abrangência histórica. No entanto, ele não mergulha nas páginas controversas da biografia norte-americana, apenas as folheia para temperar esse enredo feito de retalhos. A orientação do pai sobre como o filho deve se comportar diante da polícia é um desses asteriscos que poderiam ganhar espaço.
Há boas possibilidades de leitura nas entrelinhas, especialmente as da família principal, na qual os personagens de Tom Hanks e Robin Wright estão inseridos. O patriarca veterano de guerra que desaconselha o filho de se alistar na marinha; a necessidade do novo casal de ceder por conta da impossibilidade de comprar uma casa própria (e como isso afeta diretamente o relacionamento sobrevivente aos trancos e barrancos); as mudanças de comportamento de acordo com as gerações; o interesse na compreensão sobre o passado como forma de exumar a si mesmo; a percepção de que a História (assim mesmo, com H maiúsculo) é infinitamente maior do que nossas minúsculas existências, etc. Robert Zemeckis não faz uma obra complexa capaz de investigar profundamente esses temas, a isso preferindo uma perspectiva essencialmente romântica entrecortada ocasionalmente pela melancolia. Mesmo que não seja um filme de tamanho e impacto comparáveis aos principais trabalhos do realizador entre os anos 1980 e 2000, Aqui é um indício de que são precoces demais os diagnósticos sobre a falência de Zemeckis como criador cinematográfico de valor. Até porque é uma tarefa das mais árduas essa a de manter a atenção do espectador sem trocar o ponto de vista, algo que ele consegue ao transferir à montagem e à linda direção de arte Ashley Lamont a tarefa de gerar movimento. O longa pode ser comparado a O Baile (1983), de Ettore Scola, (guardadas as devidas proporções), por conta da capacidade de observar a História a partir de um ponto e de um lugar, abrindo-a em janelas.
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