Sinopse
Crítica
Ben Affleck teve sapatos grandes para calçar ao receber de George Clooney a incumbência de dirigir Argo, longa produzido por ele e seu amigo, Grant Heslov. Afinal de contas, Clooney já assinou belíssimos trabalhos – como Boa Noite e Boa Sorte (2005) e Tudo pelo Poder (2011) – e este novo trabalho se encaixaria como uma luva em sua filmografia. No entanto, o escolhido para comandar este drama histórico com pitadas bem humoradas e generosas doses de suspense foi Affleck, um cineasta em ascensão depois de ter comandado o bom Medo da Verdade (2007) e o ótimo Atração Perigosa (2010). Mostrando-se um melhor diretor do que ator, ele comanda um filme que prende o espectador do início ao fim, com elenco diferenciado e uma direção de arte caprichada.
Com roteiro de Chris Terrio, baseado em artigo de Joshuah Bearman, Argo nos transporta para o final dos anos 1970, durante a famosa crise de reféns na embaixada americana no Irã. Revolucionários iranianos mantiveram em cativeiro boa parte dos trabalhadores estadunidenses, demandando que o governo de Jimmy Carter devolvesse ao país o Xá Mohammed Reza Pahlavi, que se encontrava nos Estados Unidos, recebendo tratamento médico. Durante a investida dos manifestantes, seis americanos conseguem escapar da embaixada e buscam asilo na casa de um diplomata canadense. Cabe ao agente especial da CIA Tony Mendez (Affleck) resolver a pendenga e encontrar uma forma inteligente de retirar aqueles cidadãos norte-americanos da situação. Misturando astúcia e certa imaginação, Mendez cria um plano arrojado, mas que tem tudo para dar errado: se passar por um produtor de cinema buscando paisagens exóticas para um filme de ficção científica chamado, justamente, Argo, entrando desta forma no Irã e retirando seus compatriotas do esconderijo. Para isso, no entanto, ele precisará da ajuda de profissionais de Hollywood e de muita sorte.
Argo tem três momentos bastante distintos. O primeiro, mais dramático, coloca as cartas na mesa e explica toda a situação a ser desenrolada. Sabemos do envolvimento dos Estados Unidos com o período negro iraniano, comandado pelo Xá Pahlavi, e como o povo daquele país sofreu sob o jugo do governante, bem como toda a explosão dos revolucionários e a reposta norte-americana para a situação. Este trecho é quase documental, didático na medida certa e conseguindo transportar de forma correta o espectador àquela situação. O segundo momento é mais cômico, quando Tony Mendez começa a utilizar da ajuda de profissionais do mundo do cinema para socorrê-lo na tarefa de criar um filme falso. Nestes momentos brilham a verve cômica de John Goodman, como o maquiador oscarizado John Chambers, e Alan Arkin, como o produtor flamboyant Lester Siegel. O terceiro e último momento é voltado para o suspense. Sabemos que Tony Mendez precisa tirar aqueles seis americanos do esconderijo, entendemos a dificuldade da tarefa e ficamos na beirada da cadeira esperando que tudo corra bem. Mesmo que saibamos do desfecho da história, o clima de suspense impresso na tela por Ben Affleck é tão intenso que a imersão é completa. Impossível não ficar preocupado com o desenrolar da situação daquelas seis pessoas.
Ponto negativo do longa-metragem é o segundo plano dado aos outros reféns – esses sim, vivendo em situação deplorável e próximos da morte a cada novo dia. Os seis americanos retratados no filme, ainda que estivessem sob risco caso encontrados, estavam vivendo confortavelmente na casa do embaixador canadense, alimentando-se bem e vivendo entre amigos. Os demais colegas mantidos em cativeiro na embaixada são completamente esquecidos pelo roteiro, que os relembra no desfecho, com uma linha sobre seu destino. Óbvio que a história mais curiosa – e motivo de ter virado um longa-metragem – é a presença hollywoodiana na questão, deixando tudo com cara de mais estranho que a ficção. Todavia, um maior desenvolvimento da outra metade da situação viria a calhar. Seria, ao menos, mais interessante do que toda a história paralela entre Tony Mendez e sua família distante.
Por falar em Mendez, Ben Affleck nunca foi um ator de grande calibre. Seus papéis iam do aceitável ao deplorável em filmes como Armageddon (1998), Forças do Destino (1999) e Contato de Risco (2003). No entanto, desde que começou a se auto-dirigir, em Atração Perigosa, tem se mostrado um intérprete mais correto. Tanto que, em Argo, ele tem uma atuação acima da média, ainda que fique devendo ao contracenar com talentos como John Goodman e Alan Arkin. Este é um grande acerto de Affleck, aliás: cercar-se de ótimos atores para preencher os papéis-chave, mantendo sempre o nível das performances o mais alto possível. Isso é verdadeiro ao olharmos o sexteto por quem torcemos, cheio de faces conhecidas (principalmente da tevê), com atuações muito convincentes.
Toda a atmosfera setentista é palpável em Argo. Desde seu início, com o logo da Warner estilizado da época (criação do mestre Saul Bass), passando pelo desenho de produção e direção de arte, muito bem elaborados, com cabelos, figurinos e cenários caprichosamente recriados, culminando com a fotografia, filmada em película e com toda a pinta de Todos os Homens do Presidente (1976) – referência inegável de Affleck ao dirigir seu longa-metragem.
Boa aposta para o Oscar em 2013, Argo é um trabalho consistente de Ben Affleck como diretor, um profissional que parece ter encontrado seu talento escondido após alguns anos à deriva em Hollywood. Um filme corajoso o suficiente para não retirar toda a culpa da situação dos reféns do governo norte-americano (afinal de contas, foram eles quem bancaram o Xá por tantos anos governando o Irã) e correto o bastante para conseguir passar toda a angústia e periculosidade daqueles anos intensos. Filmaço.
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Rodrigo, achei excelente sua crítica sobre "Argo"(2012), de Ben Affleck. Acredito que tenha sido o filme em que Affleck tenha se firmado como diretor e adquirido o respeito de Hollywood e dos críticos. Também nunca fui fã de Affleck como ator, dava a impressão de que ele não se esforçava muito em interpretar, mas concordo em que ele amadureceu atuando, porém é atrás das câmeras que ele revelou seu talento. A despeito do contexto político em que se desenrola o filme(final dos anos setenta), Affleck pode ter sido habilidoso ao não fazer um filme patriótico(a favor dos americanos e contra os iranianos, óbvio), basta ver o início do filme, em que somos inseridos numa breve história da antiga Pérsia(atual Irã), culminando com o fim do regime sanguinário do corrupto xá Mohammad Reza Pahlevi, exilado nos Estados Unidos, e a ascenção do regime teocrático do aiatolá Khomeini. O mérito do filme está em dosar humor, drama e suspense, além das ótimas atuações de Bryan Cranston, John Goodman e Alan Arkin, e também dos atores que interpretam os funcionários da embaixada americana que se abrigaram na casa do embaixador do Canadá(interpretado por Victor Garber). Apesar das críticas à premiação de "Argo" como melhor filme, sobretudo por alguns cineastas iranianos, que enxergaram a politização da Academia à premiação, considero o melhor trabalho de Ben Affleck como diretor. Um grande filme!