Crítica
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Sinopse
A juventude chinesa da década de 1990 tem seus anseios condensados num grupo de estudantes de arte.
Crítica
O que é arte? Em 1917 – há mais de um século, portanto – Marcel Duchamp pegou um urinol (aquele branco, tão comum nos banheiros públicos masculinos) e o colocou em exposição, declarando, através de uma simples e nada elaborada assinatura (“R. Mutt 1917”) que aquilo era, enfim, algo “artístico”. Estava ele certo, ou não? Alguém de renomado nome do meio poderia fazer tamanha afirmação, bastando para tanto apenas reconhecer no ordinário um apelo elevado, ou haveria pré-requisitos e condições a serem preenchidos para que a esta sonhada condição um objeto qualquer pudesse ser alçado de forma inequívoca? Se o valor que qualificaria essa diferenciação é, enfim, aleatório, qual seria o sentido de uma escola de arte, portanto? O que ela poderia ensinar e o que aos seus alunos estaria destinado aprender, se ao invés de uma cartilha percorrer, bastaria, para tanto, ser dotado de um talento natural? E uma vez dono desse potencial, o que dele se poderia fazer? Estas são apenas algumas das diversas questões levantadas pelos personagens de Art College 1994, filme no qual muito se discute a respeito, mas pouca – ou quase nenhuma – conclusão se alcança.
Para começo de conversa, chama atenção o fato do diretor e roteirista Liu Jian ser um adepto da técnica da animação, e, portanto, ter escolhido esse formato para contar sua história. Ou seja, ele tanto questiona a arte, como faz uso dela através de um modelo bastante evidente para propor suas contradições. Um filme como Art College 1994, por exemplo, jamais seria possível sem um profundo conhecimento do que aqui se coloca em dúvida – Jian é formado em Pintura Chinesa pelo Instituto de Arte de Nanjing. Portanto, não se trata de um debate gratuito e desprovido de base. Muito pelo contrário, aliás. A revisão se dá a partir justamente daquilo que muito se estudou e conviveu, fazendo do traço não apenas meio, mas também seu fim. Eis, enfim, um longa de animação que não apenas faz da forma seu conteúdo, mas também é preciso neste emprego, permitindo um compartilhamento com a audiência que estimule uma reflexão a respeito do quanto um está ou não continuamente ligado ao outro.
Como o título, bastante didático, se encarrega em adiantar, a trama – ou, mais precisamente, os intermináveis diálogos, pois é basicamente com isso que o espectador irá se deparar do início ao fim, personagens conversando uns com os outros – se passa em uma escola de arte no ano de 1994. Apesar deste cenário ser irrevogavelmente chinês, as referências ocidentais estão por todos os lados: posters de Michael Jackson no lançamento do álbum Bad (lançado em 1987) são tão frequentes que o espectador mais atento irá se perguntar se de fato se está na década correta. Os jovens fazem suas refeições no McDonald's e admiram estrelas de Hollywood, ao mesmo tempo em que almejam se tornar o mesmo tipo de celebridade: querem ser grandes, mas ignoram as concessões que serão exigidas para que tal patamar se alcance. Sonham com melhores condições financeiras, em desfrutar do que o dinheiro pode oferecer, mas se recusam a aceitar as obrigações necessárias para dele se ter acesso. Querem direitos, portanto, mas desconhecem os deveres que a esses são predecessores.
Há um viés de problemático potencial em relação também a como os diferentes personagens são desenhados. Meninos são irresponsáveis e parecem desconectados do mundo que os circunda, enquanto as garotas possuem preocupações mais palpáveis, como a validade do que deveriam estar aprendendo, qual a utilidade desses ensinamentos nos seus futuros e se soluções mais tradicionais, pregadas por pais e avós, teriam de fato perdido validade ou se, por outro lado, permaneceriam pertinentes até os dias de hoje (sendo esse presente o de quase trinta anos atrás). Olha-se para trás com um distanciamento quase poético, mas também se revela terreno para um confronto de ideias provocador: seriam três décadas, de fato, um período impressionante, ou as preocupações daquele tempo teriam permanecido as mesmas (com uma ou outra variação) até o agora quando este filme está sendo visto? A ficção imaginada e a realidade factual entram em confronto, pois muito do que antes se mostrava urgente, tanto tempo depois segue sem oferecer respostas fáceis. Porém, entre propostas de casamento arranjadas, retorno às origens e aspirações que se mostrarão na disputa por um ar cada vez mais rarefeito, como se manter livre frente a um espírito criativo que insiste em se manifestar? Eis, enfim, o maior dos dilemas.
Em certo momento, já ao final de tantos embates verbais, aluno e professor entram em conflito, pelo fato do primeiro apresentar um trabalho de conclusão que não apenas tenha ido além das expectativas da classe, mas também desprezado as rígidas linhas de controle impostas pelo mestre, ousando se aventurar por diretrizes que ignoram cartilhas pré-determinadas. “O bom artista copia, o grande artista rouba”, relembra o instrutor. “Qual dos dois você é?”, finaliza com essa provocação. Liu Jian copia muito, de todos os lados e referências, e se em algum momento tenta roubar estas inspirações e vendê-las à sua audiência como algo novo e original, nem sempre chega a ser feliz neste intento, pois rapidamente se desmascara por detrás de uma verborragia incômoda e uma carência visual que melhor acomodasse as inquietações reveladas pelas figuras que reúne em cena. Art College 1994 pode ter sido competente em levantar possíveis debates, mas pouco vai além disso, confirmando-se como uma experiência não apenas incompleta, mas que exige muito para o pouco que se mostra disposto a compartilhar.
Filme visto no 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2023
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