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Sinopse

Um jovem casal desvenda segredos sombrios de seus ancestrais ao escrever a história em comum das famílias de ambos. Um dos dois precisa fazer uma confissão dolorosa.

Crítica

O cinema latino – seja ele espanhol, mexicano ou argentino, entre outros – sempre teve um pé bem fincado no melodrama. Júlio Medem, um dos mais importantes realizadores espanhóis, não nega essa influência. Em seu mais recente trabalho, Árvore de Sangue, ele explora com nítido prazer o gênero, abraçando sem ressalvas uma trama que mergulha fundo nos laços familiares, nas reviravoltas de última hora, nos segredos (quase) levados ao túmulo e nas relações mais íntimas. Porém, adicionando à essa receita um ingrediente que lhe é bastante característico: o sexo. Afinal, estamos falando do mesmo realizador de títulos como Os Amantes do Círculo Polar (1998) – premiado nos festivais de Gramado, Turia, Tolouse e Atenas, entre outros – e Lúcia e o Sexo (2001) – responsável por duas das 11 indicações ao Goya que o realizador acumula até o momento. A combinação, se em outros enredos surgia de forma natural, aqui parece quase imposta, quando se percebe que, de fato, é apenas uma constante do seu fazer cinematográfico. Ou seja, não prejudica a experiência, mas também pouco contribui para o seu desenrolar.

Em Árvore de Sangue, acompanhamos dois jovens, Rebeca (Úrsula Corberó, de A Casa de Papel, 2017-2019) e Marc (Álvaro Cervantes), que formam um casal apaixonado que, a fim de superar suas próprias diferenças, decidem a contar as histórias de suas famílias. Para tanto, vão até a casa dos avós dela, no campo, e em frente à árvore que testemunhou todos os desenlaces familiares das últimas gerações, se põem a narrar suas visões dos acontecimentos. Poucas coisas são combinadas previamente – nada de discursos políticos, por exemplo – mas há muito a ser dito por um ou por outro que não é de conhecimento mútuo. E revelações inesperadas podem tanto superar desentendimentos passados, quanto provocar cicatrizes que deixarão marcas para sempre. A não ser que uma força maior do que aquela que os atraiu num instante anterior os convença a superar esses ruídos e elevar a relação que tanto nutrem a um outro patamar.

Até porque, o que os une começou a ser construído muitas décadas atrás. E está nesse novelo dramático o interesse maior de Medem. Logo após a Segunda Guerra, quando o General Franco estava no auge do poder na Espanha, a situação no país era tão caótica que muitas famílias se viram obrigadas a se desfazerem de seus filhos, que foram levados a outros países para serem criados por pessoas mais abastadas. E um dos principais destinos desse êxodo foi a Rússia. É para lá que os irmãos Olmo (Joaquín Furriel) e Victor (Daniel Grao, de Julieta, 2016) são levados, e é de onde regressam tantos anos depois. Agora, no entanto, ambos com missões distintas: revirarem as vidas de Macarena (Najwa Nimri, de Um Quarto em Roma, 2010), uma roqueira que abandona a carreira quando se descobre grávida, ao mesmo tempo em que começa a desenvolver uma compulsiva esquizofrenia, e Nuria (Lucía Delgado, de O Sétimo Dia, 2004), que vê sua vida ser revirada quando os pais morrem em um acidente de trânsito.

Mas o que irá acontecer a partir deste momento, vinte e cinco anos antes da reunião de Marc e Rebeca, não será tão simples. Olmo resgata Núria da máfia russa, apenas para desaparecer logo em seguida e acabar casado com Amaia (Patricia López Arnaiz, de O Guardião Invisível, 2017), uma escritora de passado bissexual. De olhos expressivos e face eternamente concentrada, ele se envolverá com as duas mulheres que, de um jeito ou de outro, acabarão juntas, deixando-o de lado. O curioso é que Núria é a mãe de Marc, enquanto que Macarena, aquela que acaba por ser salva do manicômio pelo apoio de Victor, dá à luz a Rebeca, uma menina que nasce doente e, somente após uma série de transplantes e operações, é que termina por garantir sua sobrevivência. Agora, a questão persiste: quais os reais interesses destes dois homens nestas famílias – e o quanto a influência de ambos determina até hoje o futuro do jovem casal?

Árvore de Sangue é um filme com uma fotografia muito linda, esteticamente falando – as imagens captadas por Kiko de la Rica (vencedor do Goya por Branca de Neve, 2012) são verdadeiros quadros em movimento, elevando o conjunto a um outro padrão. No entanto, enquanto a forma recebe uma atenção desmesurada – o que se percebe também em todos os vai e volta narrativos – o conteúdo é um tanto eclipsado, seja por personagens mal aproveitados – o que a grande Angela Molina (Abraços Partidos, 2009) está fazendo ali? – ou soluções aparentemente tiradas de alguma cartola – como os envolvimentos de Olmo com Núria, tão fugaz a ponto de antecipar uma justificativa posterior, ou o vício de Victor em drogas, percebido apenas de forma discreta, mas nunca assumido como parte referencial da trama. Assim, sem muito manejo, mas também atento aos elementos que compõem uma grande e envolvente novela, Julio Medem faz desta história um conjunto digno de nota, mesmo que seja menos pelo todo e mais pelo valor de suas partes.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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