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Crítica


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Sinopse

Nos anos 1950 e 1960, o Japão formou a melhor equipe de vôlei do mundo. Surpreendendo as favoritas da União Soviética, o time formado por operárias de uma usina venceu 258 partidas consecutivas, estabelecendo um recorde para a modalidade. Estas mulheres, hoje na casa dos 70 anos, falam sobre os esforços e o treinamento exaustivo aos quais foram submetidas.

Crítica

Este documentário busca compreender um feito excepcional: como uma equipe de vôlei formada por operárias de uma usina se tornou a maior vencedora na história do esporte, com 258 vitórias consecutivas? O diretor Julien Faraut revisita o recorde que marcou a modalidade nos anos 1950 e 1960, com um intuito preciso: ao invés de buscar ensinamentos passíveis de aplicação por esportistas contemporâneos, ele analisa os custos físicos e psicológicos de tal façanha. De que maneira se lidou com a pressão por vitórias no ano em que o Japão sediava os Jogos Olímpicos e o voleibol passou a integrar a disputa por medalhas? Que olhar estas senhoras possuem a respeito das conquistas passadas? O cineasta enxerga em perspectiva agridoce a trajetória das “bruxas do oriente” - nome atribuído em função da magia que efetuavam em quadra. Ele parte deste grupo de esportistas para questionar a ética no esporte e o preço pago por atletas de alto nível na tentativa de alcançarem a perfeição. A competitividade, a honra pessoal e o patriotismo constituem questões importantes ao roteiro. A que custo estas mulheres trabalhavam e treinavam durante cerca de 18 horas por dia? Por que passamos a atribuir um valor tão alto à medalha de ouro?

O autor sustenta um ponto de vista claro: os treinamentos foram valiosos e desumanos em igual proporção. Após seis horas de trabalho com maquinaria pesada, as jovens embarcavam numa rotina de treinos que se iniciava às 13h e podia se estender até a meia-noite. Eram insultadas, provocadas, levadas ao limite. Com frequência, choravam em quadra ou buscavam uma pausa escondida. Sob controle de um treinador de formação militar, conhecido por táticas extremas em guerra, eram conduzidas sem piedade nem pausas. O primeiro passo do discurso consiste em compreender o impacto deste período nas jogadoras. Seis mulheres, reservadas sobre o período, concordam em conversar a respeito de suas conquistas. A direção evita a estrutura dos talking heads, preferindo chamá-las para um almoço entre amigas. A câmera silenciosa gira em torno da mesa redonda, captando a intimidade do reencontro. Elas aparentam livres para dizer o que quiserem, e também ocultarem os fatores indesejados (a citação de um acampamento fechado pré-Olimpíadas sugere uma rotina torturante que as veteranas evitam detalhar). Uma protagonista avalia que, “Na época, eu não pensava que aquilo era extremo. Meu corpo se acostumou com a dor”, sugerindo, implicitamente, uma nova interpretação posterior. Com respeito, o filme passa a equivaler esta vivência a um trauma. Assim que venceram o campeonato mundial, as jogadoras desejavam nunca mais entrar em quadra.

Para privilegiar a psicologia em detrimento dos fatos, As Bruxas do Oriente (2021) coloca em prática um interessante arsenal estético. Embora utilize diversos materiais de arquivo de jogos e treinamento, prefere subvertê-los e retirá-los de seu contexto de origem. A montagem se diverte ao se apropriar dos vídeos antigos como uma massinha de modelar, a partir da qual pode fazer o que lhe der vontade. Ele modifica a cor dos registros e a velocidade do jogo; mostra pontos de uma partida de três para frente, efetua um giro de 360º num plano, utiliza sobreposições com a imagem em positivo, além de fusões, efeitos de íris, sequências alternadas entre os jogos e os mangás produzidos em homenagem às atletas. Já o som se descola por completo da imagem: os testemunhos se colam ao cotidiano das personagens. A trilha sonora indie, com sintetizadores e efeitos eletrônicos, transforma o vôlei de 60 anos atrás numa colagem pop e hispter - efeito inesperado para um filme que se propunha a conversar com mulheres na casa dos 70 anos de idade. Tudo aquilo que possa ser compreendido pelo espectador sem letreiros nem explicações, ganha tratamento puramente imagético - vide as sequências da Segunda Guerra Mundial, da estafa durante os treinamentos, das tensões nas finais contra a União Soviética, e do trabalho repetitivo na usina.

Através dos recursos ostensivos de luz, cor, som e trilha sonora, Faraut equipara a preparação das atletas à atividade braçal nas esteiras de produção, enquanto disseca o caráter ambíguo do treinador, admirado por seus feitos, desejado pelas garotas e detestado pelos abusos psicológicos. Desenvolve-se certa Síndrome de Estocolmo em relação ao líder da equipe. Esta discussão se aproxima daquela aplicada com frequência ao cinema, e aos diretores que obtêm atuações impressionantes de seu elenco a partir de práticas humilhantes - vide os episódios de Último Tango em Paris (1982), de Bernardo Bertolucci, e Azul É a Cor Mais Quente (2013), de Abdellatif Kechiche, para citar apenas dois, de gerações distintas. O cineasta transmite uma mistura de fascinação estética pelo corpo em movimento, curiosidade para descobrir o segredo por trás do recorde, e repulsa pela abordagem objetificante do corpo alheio. Ora, submeter mulheres a tal rotina deixa de ser considerado uma atitude abusiva caso obtenham uma medalha de ouro no final, ou uma Palma de Ouro? Em que medida as conquistas simbólicas absolvem os tiranos? Estas reflexões permanecem em aberto, evocadas apenas pelo filme, nunca pelas tímidas protagonistas.

É uma pena que o projeto se encerre com a vitória nas Olimpíadas, sem abordar a ressaca pós-jogo, nem a derrota dois anos depois, colocando fim à hegemonia das bruxas do oriente. Teria sido importante a este estudo de ascensão e queda compreender de que modo terminam os mitos e as exceções. Ao transformar a medalha de ouro em clímax e conclusão, o diretor desperta a impressão de que sua narrativa se encaminhava para a consagração, o que pode ser lido como absolvição ou conformismo - insinuando que “tudo valeu a pena no final”. Entretanto, isso não retira o mérito de um documentário ousado na manipulação do material de arquivo, e criativo em termos de montagem e som. Tanto o prazer da conquista quanto a tristeza das dores são atenuados pelos rostos humildes das senhoras, evocando seus feitos com um estoicismo exemplar. A produção francesa ajuda a demarcar as diferenças culturais entre europeus e asiáticos no que diz respeito à honra e à reação face aos traumas. Como relembra Faraut, ao citar as cicatrizes da Segunda Guerra Mundial, e como lembrava Chris Marker no monumental Sem Sol (2013), França e Japão efetuam processos de luto radicalmente distintos. No final, a “fórmula mágica” das vitórias permanece em segredo, porém a discussão sobre ética profissional avança bastante.

Filme visto online na 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2021.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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