As Crianças da Rua Saint-Maur
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Ruth Zylberman
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Les enfants du 209 rue Saint-Maur, Paris Xe
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2018
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França
Crítica
Leitores
Sinopse
Crítica
“Os edifícios parisienses foram concebidos para durar. São do tipo que atravessam os séculos, indiferentes à guerra, à morte e ao declínio”. A afirmação feita pela realizadora francesa Ruth Zylberman nos primeiros minutos de seu documentário As Crianças da Rua Saint-Maur se aplica perfeitamente à peça central da narrativa: o conjunto habitacional localizado no número 209 da rua citada no título, cuja construção data do início do século XX, e que no período da Segunda Guerra Mundial chegou a abrigar cerca de trezentos residentes, muitos deles imigrantes judeus pertencentes à classe operária e vindos de países como Polônia e Romênia. É justamente esse elemento humano entremeado ao contexto histórico – os ecos das memórias pessoais, trágicas em sua maioria, que ainda povoam os corredores e apartamentos do edifício – o foco de interesse do trabalho de Zylberman.
Visando reconstruir esse microcosmo, utilizando-o como um espelho do panorama da Paris do final dos anos 1930 e meados dos 1940, a cineasta parte em busca dos sobreviventes do 209 da Rua Saint-Maur. Para isso, se vale de um trabalho de pesquisa visivelmente extenso e intrincado, encontrando peças de seu quebra-cabeça tanto nas proximidades – a apenas algumas quadras do edifício – quanto em locais distantes, como na Austrália, nos Estados Unidos e em Israel. Ao longo dessa jornada, Zylberman acaba se deparando com um olhar infantil sobre o passado, afinal, os ex-moradores ainda vivos eram apenas crianças na época. A narração que abre o longa, com uma mãe contando aos filhos a fábula dos Três Porquinhos – que se protegem do Lobo Mau construindo suas casas – reforça essa característica de resgate da infância, servindo também como uma alegoria para a perseguição sofrida pelos judeus durante a ocupação nazista.
Através dos depoimentos dos ex-residentes, que mesclam algumas lembranças cristalinas a muitos fragmentos obscuros, o longa tenta transportar o espectador para o cotidiano do período, dando uma noção do terror vivido por todos. O rebuscamento do registro, com movimentos de câmera elegantes e enquadramentos cuidadosos mapeando cada ambiente do prédio – o plano que adentra um quarto já deteriorado pelo passar dos anos e decorado com objetos pessoais dos entrevistados exemplifica bem o zelo estético de Zylberman – contribui para essa viagem temporal, bem como para captar a aura que envolve o local. O ambiente se torna personagem ao mesmo tempo em que mantém a função de palco, de tela onde são exibidas as histórias – algo que ganha uma representação literal quando fotografias, documentos e outras imagens são projetadas nas paredes da construção.
Outras ferramentas lúdicas utilizadas por Zylberman, especialmente no primeiro ato, são os desenhos – feitos pelos próprios entrevistados – e as maquetes confeccionadas pela produção para reconstituir a disposição arquitetônica dos antigos apartamentos. A ideia, contudo, ainda que simpática, logo se torna repetitiva, sem produzir um efeito mais marcante. Nesse primeiro momento, há também uma diluição da carga dramática devido à profusão de nomes, sobrenomes, datas, números de apartamentos, blocos, etc. que geram certa confusão. Na parte final, o longa recupera essa dramaticidade, apresentando seus depoimentos mais emotivos, como o do homem entregue, ainda garoto, a uma família adotiva nos EUA e que mal consegue se recordar do rosto dos pais, ou o dos dois irmãos que só se reencontrariam anos depois de verem os pais deportados e enviados para a morte nos campos de concentração.
Não há como negar a força de tais relatos, entretanto, a sensação de familiaridade prevalece em As Crianças da Rua Saint-Maur, já que Zylberman opta pela abordagem mais segura, convencional, que culmina no desfecho mais leve possível. Ao promover o retorno dos ex-moradores, ao lado de filhos e netos, ao edifício 209, o longa aposta na celebração coletiva, no compartilhamento de memórias e sentimentos. No caminho até lá, porém, acaba se fechando a algumas possibilidades interessantes que surgem, como a de traçar um paralelo mais aprofundado entre a situação dos judeus no início do século passado e as ondas de imigração e refugiados na Europa dos dias de hoje. Tema no qual Zylberman resvala apenas discretamente ao mostrar um pouco da diversidade étnica dos atuais moradores do edifício – asiáticos, africanos, latinos. Fica, assim, a impressão de que o potencial de particularidade do material nunca é suficientemente extraído para que este se diferencie dentro de um tema já tão explorado.
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