20141126 as duas faces de janeiro papo de cinema1

Crítica

Conta a lenda que o nome do mês de Janeiro vem de Janus, deus das transições, inícios e términos, passagens e recomeços. Sua representação mais comum é com dois rostos, um olhando para o futuro e o outro encarando o passado. É mais ou menos nesta posição em que se encontra a personagem de Kirsten Dunst em As Duas Faces de Janeiro, trabalho de estreia de Hossein Amini como diretor. É curioso, no entanto, perceber que não é ela a protagonista do filme, e sim estes dois homens que representam esta encruzilhada em seu caminho: o marido, vinte anos mais velho e envolvido em golpes e trapaças (papel defendido com garra por Viggo Mortensen), ou o jovem sem maiores preocupações que acaba atraído por ela, lhe oferecendo a chance de uma nova vida (mais um belo desempenho de Oscar Isaac). Do encontro dos três nasce um thriller sem muito suspense que no final das contas até possui seu grau de interesse, porém não pelos motivos mais óbvios.

Produzido por Max Minghella (ator conhecido de filmes como A Rede Social, 2010, e Os Estagiários, 2013), As Duas Faces de Janeiro tem sua ação ambientada em 1962, e talvez fizesse mais sentido caso tivesse sido realizado na mesma época. Baseado no romance de Patricia Highsmith, tem todos os elementos já conhecidos de outras adaptações de obras da autora, os mais bem sucedidos Pacto Sinistro (1951), de Alfred Hitchcock, ou O Talentoso Ripley (1999), de Anthony Minghella (não por acaso, pai de Max). Esta é, na verdade, a segunda produção feita a partir deste romance – a anterior trata-se de um longa alemão de 1986 nunca distribuído internacionalmente. E seu diferencial está no excelente trabalho dos três astros principais, que somados à elegante direção de arte e figurinos e à envolvente trilha sonora, além de uma direção de fotografia em tons pasteis que ameniza o caráter dos envolvidos, compõem um impressionante estudo de personagens. Estes, em última instância, acabam sendo mais válidos do que a trama que os une.

Colette (Dunst) e Chester (Mortensen) estão passeando pelo Partenon, em Atenas, quando acabam cruzando com Rydal (Isaac), um americano que ali se encontra trabalhando como guia turístico. O casal, no entanto, está sendo perseguido por um detetive privado à caça deles após um golpe do marido ter deixado muita gente poderosa frustrada nos Estados Unidos. Uma discussão entre eles acaba com a morte do investigador, e caberá ao novo amigo ajudá-los a fugir sem levantar suspeitas. Enquanto esperam por novos passaportes, decidem se refugiar na ilha de Creta. E com o passar do tempo a atração do jovem pela esposa do outro vai crescendo, um sentimento que não será ignorado. O conflito que surge daí terá uma conclusão trágica, gerando uma perseguição por fronteiras que se encaminhará para um final inesperado até mesmo para eles.

Ficam muitos pontos em aberto durante o desenrolar da trama de As Duas Faces de Janeiro. Qual a verdadeira razão de Rydal ter se refugiado na Grécia, qual a natureza do seu relacionamento com o pai já falecido e por que ele fica tão interessado quando vê pela primeira vez o casal de turistas com quem acabará se envolvendo? E ela, sabia dos negócios ilegais do marido? Por que seguia envolvida com ele e até que ponto estava mesmo interessada no estranho que os ajudava? Por fim, Chester parece ser o personagem mais enigmático: há sentimentos nele? Quais suas maiores preocupações? E se em determinado momento decide, enfim, fazer a coisa certa, qual o nível do seu arrependimento até ali? Estas são questões que motivam muito mais a atenção do espectador do que a história do golpista perseguido em fuga, algo que nunca chega a ser desenvolvido a contento.

Um desavisado que pegasse uma sessão de As Duas Faces de Janeiro pela metade poderia jurar que se trata de um filme dirigido por Hitchcock – ou mesmo Minghella, caso se aposte em um viés mais contemporâneo. Amini, roteirista indicado ao Oscar pelo romântico Asas do Amor (1997) e atualmente em alta por títulos como Drive (2011) e Branca de Neve e o Caçador (2012), entrega um filme sem muita personalidade própria, mas que consegue se salvar do total obscurantismo graças aos bons desempenhos que apresenta e pelos cuidados técnicos com os quais se resguardou. Eficiente em sua proposta, garante bons momentos de tensão, mas encontrará uma certa dificuldade em permanecer na memória da audiência após seu término. Talvez com um pouco mais de ousadia e desprendimento o resultado tivesse mais impacto. Afinal, não é por causa da ambientação ao estilo da velha escola que um pouco de inovação e criatividade fossem fazer algum mal.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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