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Sinopse

Duas irmãs fazem amizade com um jovem escritor francês no começo do século 20. Esses vínculos se transformam em amores, o que gera um turbulento triângulo que dura mais de duas décadas.

Crítica

Logo após dirigir o terceiro longa da saga de Antoine Doinel – quarto episódio, contando o curta Antoine e Colette, de 1962 –, o cineasta francês François Truffaut recorreu novamente ao seu ator favorito, Jean-Pierre Léaud, dessa vez para protagonizar As Duas Inglesas e o Amor, filme que poderia ser descrito como uma versão alternativa e muito mais sombria das desventuras amorosas vividas por seu alter ego na série de filmes que o tornou popular. Ao invés de aparecer como um jovem esperançoso e inconsequente em busca de um lugar no mundo – e no coração das mulheres que passam por seu caminho – o intérprete de Doinel surge com um rapaz indeciso entre a paixão e a razão, o prazer imediato e a emoção duradoura, e, justamente por sua ineficiência em tomar decisões, acaba sofrendo a maior de todas as dores: o abandono do amor.

Apesar de ter ficado internacionalmente conhecido como um dos precursores da Nouvelle Vague francesa, Truffaut nunca se resignou a dirigir o olhar apenas à produção do seu país. Um de seus primeiros filmes é o tenso Fahrenheit 451 (1966), thriller falado inteiramente em inglês e estrelado pela oscarizada Julie Christie. Depois vieram outros trabalhos que flertam com o cinema internacional, como o premiado A Noite Americana (1973) e sua participação como ator no campeão de bilheterias Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), de Steven Spielberg. Porém, em poucos desses exercícios sua relação com o estrangeiro foi tão intensa e conflitante quanto em As Duas Inglesas e o Amor, cujo próprio título já antecipa a problemática a ser desenvolvida. Afinal, elas estão de um lado e o sentimento do outro, como se fosse impossível colocá-los numa mesma equação.

Claude (Jean-Pierre Léaud) é um jovem francês que, no início do século XX, acaba se aproximando da bela Ann Brown (Kika Markham), uma garota inglesa de férias em Paris. A atração entre os dois é imediata, porém as convenções da época impedem qualquer proximidade mais impetuosa. Entretanto, mantido o contato, ela acaba convidando-o a visitá-la na Inglaterra. Convite esse, é claro, aceito de imediato. São jovens, são intensos, não sabem bem o que querem e estão dispostos a qualquer situação prazerosa que se apresente. Lá, no entanto, ele acaba hospedado na mesma casa que a pretensa namorada, junto com a mãe e a misteriosa irmã dela. O adjetivo cabe, pois, nos primeiros dias dele por lá, ela se mantém trancada no quarto, recuperando-se de um desgaste ocular. Com o tempo, começa a aparecer, primeiro com vendas nos olhos, depois de óculos escuros. Ele a vai descobrindo aos poucos, assim como ela, que primeiro tem uma ideia a respeito dele através da irmã, depois pela voz, e só mais tarde, finalmente, pelo contato visual. A situação é propícia demais para que ambos ignorem uma atração de ocasião.

Os anos vão passando, e Claude ora está envolvido com uma, ora com outra irmã. As duas possuem personalidades opostas, porém complementares. O permanente entre eles, contudo, é uma dicotomia absoluta entre o que pregam, fruto do momento histórico que vivem, e o que demonstram sentir um pelo outro em seus rompantes mais impulsivos. Ao mesmo tempo em que afirmam praticar o amor livre, ressentem-se internamente quando decidem colocar isso em prática. O mesmo se dá na relação: elas desconhecem o envolvimento dele com a outra, perfazendo um triângulo com um único vértice. Porém, evidente em situações como essa, é que tal condição não irá permanecer para sempre. Assim como a maioria dos homens de Truffaut, Claude é apático o suficiente para esperar que as atitudes de mudança venham das mulheres, ao passo em que se porta mais como espectador do que de fato enquanto protagonista da trama.

A postura de franceses e ingleses com relação aos sentimentos do coração é notoriamente diversa. François Truffaut constrói em As Duas Inglesas e o Amor um conto trágico a partir de uma realidade que por muitos poderia ser encarada como piada, mas que ele prefere investigar até as últimas consequências. É quase impossível não imaginar Antoine Doinel passando pelas mesmas situações, e talvez daí venha a frustração maior com o longa que decide brincar com o imaginário do público sem concessões. Doinel e Claude são homens passivos, inertes e se acreditam donos do próprio destino, ao mesmo tempo em que se comportam como meros joguetes nas mãos femininas. Aqui, no entanto, elas irão cobrar um alto preço por essa ausência de uma postura mais firme. E as consequências estarão por inteiro nas mãos dele. A mensagem fica clara, ainda que o pesar se instaure em ambos os lados da tela.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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