Crítica


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Sinopse

Enfrentando o preconceito dentro de um setor composto apenas por homens, Vera é recrutada pelo próprio Primeiro Ministro do Reino Unido para coordenar uma equipe de agentes secretos encarregados de sabotar os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Suas armas secretas são duas mulheres: Virginia, que oferece suporte para espiões em solo inimigo, e Noor, uma das melhores transmissoras de mensagens secretas no país.

Crítica

As Espiãs de Churchill (2019) representa um filme histórico destinado a espectadores sem conhecimento profundo de História, nem interesse específico no tema. O título brasileiro menciona o Primeiro Ministro britânico durante a Segunda Guerra Mundial, no entanto, Churchill praticamente inexiste como personagem na trama - o nome original constitui o genérico A Call to Spy (“Um Chamado para a Espionagem”, em tradução livre). Duas jovens sem formação específica em combate são contratadas para atuar em terreno inimigo, sabotando os adversários e enviando informações aos Aliados. O roteiro deixa de detalhar planos dos nazistas, suas motivações ideológicas e as sucessivas invasões de territórios europeus. Um rápido letreiro de abertura descreve o mínimo necessário sobre o período 1939-1945 enquanto menções a cidades e datas aparecem na tela. O oficial nazista Klaus Barbie desfila discretamente pelo drama que evita a sucessão de fatos e dados. Em linhas gerais, a atividade destas espiãs poderia se passar em outras épocas e países, contra inimigos distintos. Para a diretora Lydia Dean Pilcher, é importante que os espectadores conheçam a resiliência destas mulheres, além de sua força, coragem, e capacidade de disputarem espaço com os homens. Os demais fatores se tornam irrelevantes.

O esforço em facilitar a compreensão do espectador se estende à estética. Para o bem ou para o mal, o drama ostenta os principais recursos de uma (ótima) telenovela: o foco nos sentimentos e nas virtudes; os close-ups constantes nos rostos das heroínas; conversas em simples planos e contraplanos; diálogos sucintos movidos por frases de efeito; trilha sonora para dizer ao espectador quando se emocionar, temer pelas agentes ou comemorar seus feitos. Mesmo assim, a cineasta rejeita o melodrama excessivo e a imersão nas vidas afetivas dos personagens. É louvável que a agente Vera (Stana Katic), a especialista em logística Virginia (Sarah Megan Thomas) e a perita em comunicação Noor (Radhika Apte) sejam dissociadas de suas famílias, de filhos, pais, maridos, e tampouco adquiram qualquer interesse amoroso ao longo das jornadas. A direção sequer insinua algum flerte: uma vez transportadas à França ocupada pelos nazistas, as protagonistas se dedicam somente à missão. A trilha sonora, embora frequente, se faz discreta, em conjunção com a exploração mínima de espaços e paisagens. Seja por escolha pessoal ou por restrições orçamentárias, a diretora se nega a romantizar os cenários da época e a miséria nas ruas, concentrando parte considerável das ações em quartos e escritórios. As fugas espetaculares e sequências de multidões desaparecem por completo.

Assim, o filme oferece um retrato polido da guerra. Distantes dos confrontos armados, as mulheres se contentam em lamentar eventuais perdas de aliados, ao passo que planos ambiciosos são descritos por terceiros - caso dos combatentes enviados de paraquedas e executados pelos adversários. Há pouco sangue, tiro e explosões; resultando em quantidade limitada de horror e de choque. A principal representação da tortura se revela simulada - um mero teste para avaliar o valor das agentes infiltradas. Pilcher opta por retratar as mortes sem ferir os sentimentos dos espectadores, sem lhes dar razão para virar o rosto. Em outras palavras, trata-se de uma obra não-violenta sobre um momento violento. O recurso pode ser considerado louvável - afinal, muitas pessoas que recusariam imagens semelhantes podem embarcar nesta jornada com facilidade - ou criticado pelo fator atenuante, mesmo desrespeitoso, ao reduzir inúmeras perdas humanas a casualidades anônimas, sem números nem consequências aos responsáveis. Batalhões inteiros morrem; chefes lamentam; a batalha continua. Enquanto observa Vera, Virginia e Noor, a direção ignora feitos (positivos e negativos) de pessoas relacionadas. O legado histórico de Churchill é questionado por pesquisadores, no entanto, o roteiro restringe o olhar às conquistas de indivíduos, ao invés de nações ou projetos políticos em particular.

Para uma iniciativa de tamanho modesto, sem recursos para contratar atores famosos nem investir numa onerosa reconstituição de época (ou em efeitos visuais rebuscados), As Espiãs de Churchill se adapta muito bem ao escopo da produção. O trio central apresenta atuações efetivas e modestas, como convém a uma obra de pretensões limitadas. Os coadjuvantes trazem composições funcionais, com exceção de alguns nomes não-franceses interpretando moradores locais (chamando as hóspedes de “mon chéri”, no masculino). A cineasta evita gestos grandiloquentes com a câmera, a iluminação e a montagem, privilegiando a linguagem acadêmica, transparente e avessa às ambiguidades. É certo que os figurinos soam novos demais: as roupas parecem recém-saídas da loja, em cenários de pintura uniforme e objetos novos. Além disso, os cabelos estão impecáveis e as maquiagens permitem leves arranhões em lugares convenientes do rosto - algo esperado para a linguagem das telenovelas e da aversão ao horror. Mesmo assim, preserva a ambientação básica de uma narrativa europeia da década de 1940. A equipe técnica dialoga com o imaginário da guerra ao invés de uma caracterização fiel, mostrando-se coesa neste processo: nenhum aspecto técnico-criativo chama mais atenção a si próprio do que os demais.

Por fim, a obra funciona melhor enquanto drama e suspense do que como mergulho em fatos verídicos do século XX. O espectador nunca presencia as qualidades extraordinárias de Noor e Virginia: precisamos acreditar nos elogios de superiores e colegas, visto que o trabalho em si ocupa um plano secundário. Os méritos e deméritos do longa-metragem decorrem da escolha pelo ângulo moral da História. Por um lado, conquista o público médio e joga luz à presença pouco disseminada de espiãs durante a Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, incomoda ao discutir o nazismo sem dar voz nem protagonismo às vítimas diretas da tragédia (a única judia mencionada é Vera, cujo dilema se restringe à naturalização britânica). Ciganos e homossexuais estão convenientemente ausentes, e a deficiência física de Virginia se torna mero instrumento de superação - ela precisa lutar duas vezes mais do que os colegas para ocupar o cargo. O espectador termina a sessão conhecendo algumas passagens a respeito de três mulheres importantes, porém ignorando o complexo contexto social, econômico e político em que se inseriam. Ora, nenhuma disputa deste nível se vence com boa vontade e esforço pessoal, nem se compreende através de um caso excepcional. Entretanto, a diretora privilegia a homenagem pessoal às suas heroínas à recriação de um dos principais traumas do século passado. 

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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