As Fábulas Negras
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Rodrigo Aragão, Petter Baiestorf, Joel Caetano, José Mojica Marins, Marcelo Castanheira
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2015
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Brasil
Crítica
Leitores
Sinopse
Cinco figuras do folclore e da mitologia brasileira - o Saci, a Iara, o Lobisomem, a Loira do Banheiro e o Monstro do Esgoto - ganham uma versão aterrorizante em segmentos independentes: Crônicas do Esgoto, Pampa Feroz, A Loira do Banheiro, A Casa de Iara e O Saci.
Crítica
O projeto de As Fábulas Negras (2015) constitui um marco para o cinema de horror. Simbolicamente, ele representa uma passagem de bastão entre o maior cineasta de horror do cinema brasileiro, José Mojica Marins, aos novos nomes que vêm se especializando no gênero: Rodrigo Aragão, Petter Baiestorf e Joel Caetano. Ao colocar o veterano para dirigir um segmento da obra coletiva ao lado dos jovens cineastas, cada um com seu curta-metragem, eles são postos em pé de igualdade, unidos pela montagem e pelo trabalho em conjunto. Além disso, a iniciativa possui outras maneiras de associar tradições e temporalidades distintas: a obra realizada com câmera digital portátil reverencia as tradições do horror sangrento dos tempos de película, enquanto a produção contemporânea presta homenagem às lendas do folclore brasileiro como o saci e o lobisomem, junto aos mitos da loira do banheiro e do monstro do esgoto. Existe uma tentativa visceral de mesclar tradição e modernidade numa única premissa, reinventando as singelas figuras do imaginário brasileiro numa roupagem monstruosa. Os realizadores voam alto em termos de criatividade e ambição.
No entanto, eles são limitados pelo escopo da produção. Trata-se de uma obra de baixo orçamento, algo perceptível no tratamento simples, ou ainda simplório, de fotografia e som. Apesar da dedicação à maquiagem e aos efeitos especiais, a iluminação básica das locações, tanto internas quanto externas, sofre com a falta de recursos. Outro encontro de estilos opera por meio da estética: o conhecimento destes diretores (incluindo os mais jovens, repletos de referências) se choca com uma realização próxima do exercício universitário de gênero. Sem dúvida, o horror consiste num dos registros mais propícios a explorar o antinaturalismo a seu favor, e os autores conhecem as especificidades desta linguagem. Em outras palavras, nenhum deles tenta simular um registro realista, preferindo a diversão de criar um mundo artificial, movido unicamente pelas pulsões de vida (sexo) e morte (assassinatos). O ponto de partida das lendas serve para estes homens brincarem com o imaginário erotizado da apropriação do corpo alheio – seja para fazer sexo ou matar. Em consequência, personagens beijam à força um homem paralisado, duas mulheres são penetradas simultaneamente por uma lâmina e um monstro se enfia na cama durante o ato sexual para um ménage à trois macabro.
Infelizmente, a vontade de abarcar tantos elementos do horror não reflete numa visão de mundo atualizada. O painel de criadores é composto unicamente por homens que jamais ocultam o olhar fetichista sobre as mulheres – elas revelam os seios fartos e a nudez, apesar de nenhum homem ser colocado na mesma posição. Nas cinco esquetes, os personagens masculinos constituem guerreiros tragicômicos (vide o sujeito que se veste com uma armadura e o político do baixo clero negociando com o colega de maior poder), enquanto as mulheres se limitam a vítimas de ataques, figuras histéricas e esposas vingativas, dispostas a atacar as amantes que ousaram roubar seus maridos (caso dos segmentos da Iara e da loira do banheiro). Basta dizer que As Fábulas Negras reprovaria no Teste Bechdel dedicado à representatividade feminina. É difícil imaginar um horror contemporâneo sem cineastas mulheres, nem mergulhar em profundidade na política e nas questões sociais tipicamente brasileiras. Gabriela Amaral Almeida e Juliana Rojas, por exemplo, trariam um ponto de vista mais equilibrado a este painel rural e exclusivamente masculino, que inclusive transpõe ao campo a mitologia urbana da loira do banheiro.
As cenas de making of durante os créditos, quando José Mojica Marins brinca com pessoas que desejam “virar traveco”, e Joel Caetano fala do prazer em filmar uma escola cheia de sangue e mulheres resume o caráter anacrônico desta homenagem não apenas aos cânones no horror B, mas também ao mundo de antigamente. As limitações do projeto se encontram neste aspecto: a capacidade de dialogar com o século XXI. Anos mais tarde, Carlos Saldanha viria a se apropriar dos mesmos símbolos do folclore, de maneira endinheirada e palatável ao gosto médio, na série Cidade Invisível (2021). Ora, a transposição do terror à cultura nacional precisa ultrapassar a simples menção ao saci, Iara e lobisomem, ainda que estejam modernizados em fantasias repulsivas. Seria importante entender o papel desempenhado pelo empregado deformado do episódio da loira do banheiro, ou ainda compreender a influência do pastor evangélico no segmento do saci e as referências mais claras dos políticos corruptos, satirizados ao limite da universalidade. Há críticas leves ao fanatismo religioso e ao desprezo às religiões de matriz africana, porém estes elementos permanecem em segundo plano. Já a pequena história das crianças costurando os curtas-metragens (elas contam umas às outras as lendas escutadas dos adultos) funciona como alusão lúdica à transmissão oral do conhecimento popular.
O aspecto mais interessante do longa-metragem surge da dança entre o real e o imaginário. Os monstros existem e inexistem, dependendo do ponto de vista: eles são bastante reais para a garota que se depara com o Saci, mas se limitam a uma influência demoníaca para a mãe cristã. Nos contos do lobisomem e da Iara, o perigo coincide com o desejo sexual: a presença de homens e mulheres na floresta implica tanto no risco de ser morto quanto de fazer sexo ou ser estuprado por um estranho. As crianças se provocam, sugerindo que as lendas “não são histórias, são reais”. Ora, o que dizer de histórias reais? O prazer de contar e ouvir ficções se torna o elemento mais terno do filme, cuja estrutura remete a uma conversa entre amigos, disparando lendas de terror em volta da fogueira. Quanto às histórias em si, as sensações e secreções são priorizadas em detrimento da reflexão sobre o material abordado. Os inúmeros planos inclinados, em especial no segmento de Baiestorf; as luzes noturnas excessivamente azuladas e a multiplicação do sangue em simples cortes de montagem apontam para o universo próximo do sonho, ou do pesadelo. Ora, a emoção do gore pode estar associada ao debate de gênero, raça e regionalidade. Entretanto, os criadores tomam distância do terror polido e socialmente aceito de Jordan Peele, por exemplo, manifestando nostalgia por aqueles filmes de “sangueira e mulher pelada” que não voltam mais.
Filme visto online no 1º Festival de Cinema Brasileiro Fantástico, em maio de 2021.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Bruno Carmelo | 6 |
Ailton Monteiro | 6 |
Cecilia Barroso | 7 |
MÉDIA | 6.3 |
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