Crítica
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Sinopse
Três mulheres começam uma jornada poliamorosa em busca de prazer, diversão e novas formas de relação. Através de suas anotações, Violeta nos conta sobre as aventuras das Filhas do Fogo: um grupo de mulheres em busca de seu próprio erotismo.
Crítica
Menos por conta da jornada das personagens começar na cidade Argentina de Ushuaia, a capital da província chamada de Terra do Fogo, mais em virtude do estabelecimento constante de um elo indissolúvel entre as naturezas concreta (terra, mar, etc.) e feminina, o título As Filhas do Fogo faz todo o sentido enquanto sinalização alegórica. Distanciando-se da progressão dramática convencional, a cineasta Albertina Carri vai despindo o longa-metragem dos motores superficiais, colocando mulheres num fluxo de cenas que pouco tem a ver, necessariamente, com as missões que elas assumem verbalmente. Quanto a isso, o objetivo da nadadora vivida por Mijal Katzowicz – fazer uma viagem até a casa da mãe para evitar a trágica venda o automóvel de estimação do pai falecido – é somente um McGuffin, e, como tal, um propulsor sem tanto valor em si. A busca do conjunto é por uma observação dos corpos em comunhão, do prazer não apenas alimentando a catarse física, mas como via de conexão entre feminilidades distintas, sem espaço a violências e cláusulas morais.
Em As Filhas do Fogo, o único propósito relevante, entre os manifestados, por orientar a reflexão provocada, é justamente o da cineasta que volta da Antártica determinada a fazer um filme pornográfico. No entanto, as divagações pontuadas como narrações breves, excertos soltos durante o processo, acabam sendo mais efetivas ao conceito do que parte das imagens ou mesmo do explícito no filme. A artista deseja mostrar corpos como território e paisagem, não necessariamente colocando como problemática, para chegar a esse resultado, a representação pura e simples. Portanto, as questões que se impõem são: como traduzir em termos imagéticos a heterogeneidade do prazer feminino sem incorrer em objetificação? De que forma atingir alguma potência nesse processo de captura? Albertina Carri persegue visivelmente essa sensorialidade, cercando os envolvimentos de uma profundidade que está além das penetrações e dos estímulos táteis.
As Filhas do Fogo abraça a incapacidade de chegar a um resultado definitivo nesse desejo (utópico) de fazer o cinema reproduzir efetivamente, por exemplo, a complexidade das energias proporcionadas pelos orgasmos. Por mais que a câmera passeie pelos corpos com atenção aos detalhes, ao gozo que irrompe das interações livres de amarras e jurisdições moralistas, que o sexo seja encarado como uma instância praticamente sagrada da existência, a cineasta demonstra consciência de empreender uma procura intermitente. Trocando em miúdos, Albertina Carri não dá sinais de ter encontrado respostas definitivas aos questionamentos que sua personagem expressa constantemente, mas de estar permanentemente curiosa diante desse estudo de efeitos variáveis. Em determinados momentos, o filme fica muito preso a uma sequência de eventos aparentemente aleatórios, com a entrada desenfreada de mulheres nessa caravana em que a luxúria não é vista como pecado, pelo contrário. Certas personagens tem uma função quase burocrática.
A despeito das digressões que pouco acrescentam ao todo, somente estendendo um percurso obviamente próximo do simbólico, As Filhas do Fogo é um bem-vindo manifesto no qual a masculinidade está apartada das resoluções. Os poucos homens que aparecem em cena são figuras tóxicas, vide as autoridades (os policiais), os agressivos homofóbicos (os do bar, prontamente subjugados pela força feminina), e os maridos que exercem domesticamente o poder ancestral do patriarcado (como o sujeito escorraçado de casa pelas recentes amigas da esposa oprimida). A sacralidade do prazer aparece de forma direta na transa sobre o altar da igreja, evidentemente subversiva, mas não por conta de uma vontade de chocar agressivamente a iconografia religiosa com o "profano", pelo contrário. Ela oferece uma leitura poética, por meio da qual é possível entender o sexo como instância de elevação e, assim, de conexão com algo transcendente. O excelente plano final, o da mulher frontalmente se masturbando sem pudores, é uma bela ode ao corpo e à liberdade.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 7 |
Francisco Carbone | 8 |
Roberto Cunha | 2 |
MÉDIA | 5.7 |
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