As Filhas
Crítica
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Sinopse
Agnes vai a Berlim para identificar uma garota morta. A polícia suspeita que essa garota é a filha de Agnes, de quinze anos de idade, que fugiu de casa. Mas não é. Enquanto procura sua filha em Berlim, Agnes conhece Inês, uma jovem parasita social.
Crítica
As Filhas é uma breve história do necessário e do contingente. O filme de Maria Speth logo coloca o espectador no olho do furacão, para então traçar a linha mestra de sua trama. Agnes, chegando a Berlim para identificar uma garota morta que, segundo a Polícia, pode ser sua filha que fugiu de casa, acaba conhecendo Inês, jovem menina habitante das ruas que, não sem querer, se joga diante de seu carro, causando deliberadamente o acidente. Agnes acolhe a menina e as duas acabam se aproximando por um tempo. As Filhas é a história dessa relação, com toda a carga que cada uma trás, com todos os medos, as angústias, os arrependimentos e as rusgas de um passado recente, sem que isso signifique baixeza moral ou condicione tudo a uma apreensão dogmática do mundo. Há um claro esforço em tomar conta do espaço e, ao tentar experimentar com o movimento, estabelecer um ritmo que ofereça tempo para que falem as expressões, as rugas, para que o corpo, enfim, tome conta da “psicologia”.
O medo de dizer, de um lado, e o ímpeto de não conseguir reter, de outro. A relação começa e termina num susto, num vislumbre que, no limiar entre o grito desesperado e a tentativa de correção moral, coisas que o filme somente tangencia, sem nunca tocar efetivamente, sem deixar que alguma coisa possa resistir. Essa atmosfera desenhada, que escancara o esqueleto do texto, as armadilhas do roteiro e as devolve em forma de uma sedução de esquemas, para todos os efeitos quebra qualquer continuidade de um sentimento que poderia existir ali, entranhado na relação para além dos motivos óbvios de sua construção.
Agnes procura a filha; Inês tem apenas memórias sobre sua família. A conexão dos corpos que podem se completar na errância, na diferença, no encontro fortuito capaz de modificar as experiências é conjuntura já bastante programada na história das imagens cinematográficas, e por isso apenas mais difícil de realizar com habilidade. Mas transparece no filme de Speth aquela dureza de um olhar psicologizante lá onde a psicologia pouco tem a dizer.
Seria preciso, então, um ritmo de acontecimentos, de revelações e de dramas individuais que não se amontoassem, que permitissem uma proximidade, uma correção mesmo de perspectivas. É verdade, e isso é deliberadamente uma escolha da diretora, que o filme certamente abraça esse tom de perda/busca através de algumas imagens que são capazes de manter alguma força, pois são particularmente muito cruas as cenas em que Agnes está sozinha, hesitante, já que é muito difícil aceitar a relação entre as duas (ela começa como termina: no absurdo, na frieza). Sem aquela capacidade de se locupletar, definitivamente, de uma estética de indisfarçável “festivalidade”, não há forma que possa durar e que consiga permanecer por muito tempo tentando colocar alguma verdade em um espaço impermeável, de uma mise en scène engessada.
Com as imagens, em cinema, é mesmo assim: elas costumam morrer logo quando não são pensadas para além de exercícios de decupagem. Seria preciso, então, haver aquela convergência crucial entre a natureza da obra (aquela necessidade inicial, a busca, o desespero) e a conexão das narrativas individuais, sobretudo quando não há mais caminhos a tomar, quando aquele último vestígio de alegria parece apodrecer diante da função gráfica dessas imagens (do plano, da imagem que fica, ao final, esperando que tudo se esclareça e se resolva). Mas o filme não faz com que seja possível comprar as associações, os desfechos de cada ato, o resultado dos acontecimentos iniciais. Falta-lhe a intimidade em relação às próprias personagens, falta chegar e dizer que a câmera “está aqui” porque gosta das personagens que filma, pois, apesar de tudo, o pano de fundo e o clímax não podem importar mais que o olhar sobre o humano.
As Filhas sofre com isso, com essa irrefreável vontade de criar uma geografia de um espaço que, ao fim e ao cabo, resulta sempre nos mesmos lugares, na mesma dimensão psicológica. Inês diz não crer no destino, ao que o filme lhe responde de forma ironicamente cruel: “ele” existe sim.
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