Crítica

Se Alfred Hitchcock tem um seguidor fiel em sua forma, este é Brian De Palma. Ainda que ao longo dos seus quase 50 anos de carreira cinematográfica o cineasta possa ter resvalado na qualidade de seus filmes, não se pode negar que sua intenção sempre foi homenagear o mestre do suspense. Pois Irmãs Diabólicas é seu primeiro filme em que todas as referências possíveis à obra do diretor inglês estão presentes. Temos personagens femininas com personalidades confusas, voyeurismo em alta, um cadáver escondido na frente de todos e, é claro, a trilha sonora de Bernard Hermann, compositor favorito de Hitchcock. De cara já há citações a clássicos como Festim Diabólico (1948), Um Corpo Que Cai (1958), Janela Indiscreta (1954) e Psicose (1960).

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De Palma se inspirou em uma história real de duas irmãs siamesas russas que desenvolveram personalidades distintas para construir a trama misteriosa. Após um programa de televisão em que Danielle Breton (Margot Kidder) e Phillip Woode (Lisle Wilson) se conhecem, a garota e o rapaz negro (e o comentário não é racista, faz parte importante dentro da crítica estabelecida na história) passam a noite juntos. Ela mata o rapaz a facadas e Grace (Jennifer Salt) assiste tudo pela janela da frente. Num recurso que o diretor utilizaria em vários de seus filmes, vemos a ação na tela dividida em duas: o que acontece no apartamento e a vizinha espiando tudo. E o cadáver será escondido no sofá da sala. A polícia é chamada, mas nada é encontrado. Desacreditada pelas autoridades, Grace parte numa investigação particular. E aí o roteiro começa a fazer jus ao título.

Afinal, o que aconteceu com a irmã de Danielle? Dominique realmente está viva? O que aconteceu para as irmãs terem sido separadas e como isto influenciou no desenvolvimento da personalidade psicótica de uma delas? De Palma brinca com esse jogo ao deixar Grace entrar na intimidade desta relação familiar, com a própria adquirindo traços de uma das irmãs. No final, quem é quem? A troca de self é tanta que as três personagens parecem iguais e diferentes ao mesmo tempo. Lembram que eu havia falado em Psicose e Um Corpo Que Cai? Eis as pistas para pensar, ou melhor, tentar resolver o quebra-cabeças, que termina de forma tão doentia que pode deixar mais dúvidas do que respostas. O pesadelo ao término é assustador. Um final em aberto e nem por isso menos intrigante.

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Se analisar com maior profundidade, o longa tem alguns problemas graves de roteiro, mas sua curta duração e a edição que prioriza o jogo de imagens a favor do suspense ganham o espectador sedento por bons e inteligentes sustos. As Irmãs Diabólicas tem todo o desenvolvimento do que De Palma estava por criar na sua filmografia e que ecoaria muitos anos depois em outras de suas obras, como Vestida Para Matar (1980), Dublê de Corpo (1984) e, mais recentemente, Femme Fatale (2002) e Paixão (2013). Aqui ele começaria a mostrar que, mesmo emulando o mestre do suspense a todo momento, ele seria capaz de seguir um caminho próprio com um estilo único. E pensar que o próprio disse que, com este título, queria "apenas contar uma história". Talvez esta história seja a de seus estudos para tramas de mistério e muito sangue, algo em que ele se tornou especialista (e dos bons) com o passar dos anos.

 

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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