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Sinopse

Cinco irmãs são criadas no último pavimento de um prédio nos arredores de Palermo. Essa casa sustentada com a criação de pombos carrega nas paredes os inexoráveis sinais da passagem do tempo e testemunha a luta de todas diante das contingências da vida, da morte e do tempo como elementos inevitáveis que ressignificam tudo.  

Crítica

Frequentemente, a morte pontua a reflexão de As Irmãs Macaluso sobre a imprevisibilidade da vida e o decurso do tempo como algo de natureza ambígua. Na primeira parte, que pode ser entendida como um prólogo de bonança antes da tempestade se abater sobre as personagens, há uma belíssima delineação da harmonia que rege o cotidiano das cinco Macaluso. Até as rusgas, os senões e as faíscas que surgem na convivência das meninas são percebidas pela cineasta Emma Dante como engrenagens essenciais do dia a dia. O afeto prevalece nesse casarão com vários andares, vide não apenas os laços humanos deflagrados, mas também o cuidado carinhoso com os pombos criados para prover o sustento. É pelo acúmulo de passagens como a da menina servindo grãos aos bichinhos no prato nobre e justificando com “eles também merecem o melhor” que a sensação de ternura se solidifica. A luz é quente, os movimentos expansivos, a câmera se detém em gestos doces, em rituais que serão ressignificados pela dor deixada como herança após sentidas partidas.

No idílio se dispõem as características e os desejos de algumas das Macaluso com relação ao futuro. Uma delas pretende ser bailarina, um querer transbordante das palavras ao recorrente movimento ritmado do corpo esperançoso. Outra é sexualmente fervilhante, anseia pelo momento de experimentar os sortilégios do amor. São as mais velhas, as líderes dessa residência desprovida dos guarda-chuvas materno e paterno. Aliás, em nenhum momento de As Irmãs Macaluso é mencionado o porquê dos genitores estarem ausentes. As vezes em que o casal aparece nas fotografias antigas são suficientes para não alienar a questão, sinalizando sutilmente que seus retratados talvez não existam mais. Voltando às irmãs salientadas, quando uma elipse arremessa abruptamente a trama anos à frente, com o vislumbre da atualidade das restantes, esmaecida fundamentalmente pela tragédia que subtraiu alguém, a dança e a aplicação da maquiagem adquirem novos significados. Agora são melancólicas, resultado das interdições que reprimiram as vontades e os sonhos.

Emma Dante substitui as promessas dos verdes anos pela angústia proveniente dessa sensação de impotência que se avoluma inexoravelmente. A antes expressiva garota que cuidava das irmãs menores se torna uma adulta cadavérica que dança sozinha ao retornar para casa, longe dos olhares alheios. É uma atitude solitária que pode ser lida como tentativa fugaz de voltar a ser. Os sentidos dessas repetições são habilmente construídos pela encenação que aposta nas equivalências aditivadas de drama. Nesse caso, por exemplo, não é apenas a coreografia executada por carcaças tão diferentes que denota isso, mas também a frieza das cores escolhidas para registrar a beira do canal outrora (na adolescência promissora) fotografada com tons calorosos. Esse procedimento é igualmente utilizado para dar renovado significado aos pombos. Antes do desastre, são animais vistos como sustento, curiosamente alugados para coroar festividades. Livres, eles sempre regressam porque encontram ali um ninho genuíno. Depois, são tidos como se condenados ao retorno, assim como as personagens, por não terem alternativa. Voltar passa a ser uma necessidade opressora.

As Irmãs Macaluso propõe uma gradativamente pesarosa meditação sobre o tempo e suas condições. Se a menina não tivesse morrido em circunstâncias como aquelas, a velhice seria tão pesada às sobreviventes? A realizadora não coloca a dúvida na boca das personagens, mantendo-se fiel à lógica narrativa menos verborrágica, na qual as ideias surgem na articulação de sons, imagens e da cadência ao ponto de apelar à intuição. A fotografia de Gherardo Gossi e a direção e arte assinada por Emita Frigato são imprescindíveis para se chegar a determinadas conclusões sem que sobressaiam os elementos expositivos. Na parte derradeira, sobrevinda à dolorosa cena de alguém se esbaldando num prazer para sufocar a tristeza – e que lindo a câmera não demonstrar curiosidade pela reação da “plateia”, pois o interesse permanece na intransferível dor sentida – é ainda mais claro o desalento diante dos imperativos do tempo. A casa, outro personagem pulsante na ciranda de amores e dores, exibe os rastros da vida compartilhada, haja vista marcas dos quadros e móveis nas paredes, o exato ponto da varanda em que o cigarro foi apagado tanto ou o buraco aberto para enxergar o mar.

Filme assistido online durante a 8 ½ Festa do Cinema Italiano, em junho de 2021.

 

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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