Crítica
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Sinopse
Gelsomina vive na região da Toscana, na Itália, cercada de natureza e protegida pelos pais. Mas, logo essa serenidade vai ser perturbada pela chegada de Martin e a necessidade de adequar um negócio secular aos novos tempos.
Crítica
No cinema de Alice Rohrwacher, os conflitos (históricos, coletivos, pessoais) são apenas pontualmente escancarados. No mais das vezes, permanecem como combustíveis subentendidos das tensões agrupadas dentro de rotinas aparentemente normais. Em Corpo Celeste (2012), discussões sobre a tradição surgem pelo acúmulo de vestígios bem colocados e distribuídos nas entrelinhas. Em As Maravilhas também é assim. A protagonista é Gelsomina (Maria Alexandra Lungu), em muito semelhante à personagem principal do filme anterior da cineasta. Ambas são jovens num mundo que já as torna coadjuvantes, meio perdidas entre a rebeldia e a raiz. Gelso mora com a mãe, as três irmãs menores, a tia e o pai. Este é um típico chefe de família patriarcal, diariamente se encarregando das ordens às demais (todas mulheres), mas também exibindo momentos de ternura. O sujeito vivido por Sam Louwyck é questionado num par de cenas pelos vizinhos a respeito de “quando terá um filho homem”. É uma pressão externa que ajuda a compreender o contexto no qual todos estão inseridos. Curiosamente, mesmo originalmente alemão, ou seja, um estrangeiro naquela região inóspita da Itália, parece perfeitamente adequado àquilo que sustenta o lugarejo secular. E sua resistência às mudanças é bastante indicativa, contraposta pela ânsia da filha em adquirir protagonismo.
A pressão da História é uma engrenagem essencial em As Maravilhas. A intimidade com os costumes e os princípios locais é construída gradualmente, num processo orientado pela câmera que não dissocia a paisagem e as pessoas nela incluídas. Já a tradição aparece de modo ambíguo. Há no registro do dia a dia campesino certo desalento pelas imposições do progresso material, mas, ao mesmo tempo, uma crítica agridoce ao que é arcaico. Definitivamente, Alice Rohrwacher não é uma artista disposta a criar/defender com unhas e dentes teses hermeticamente fechadas. Suas realizações não tentam educar o espectador e mostrar caminhos pretensamente corretos a serem seguidos. Elas são eficientes como documentos dramáticos repletos de reflexões e proposições. Aqui, ao estreitar o foco em Gelsomina, sublinhando hesitações, contradições e gestos cotidianos, exemplifica como diversas forças agem simultaneamente sobre seu corpus em desenvolvimento. Já o ambiente doméstico é frequentemente tenso, mas em poucos instantes a inquietação é dada ao espectador em forma de explicação. Na busca por uma imagem associativa para definir como o filme funciona, podemos imaginar as dinâmicas do choro. Longe de ser uma torrente de lágrimas seguida de lamentos ruidosos, o longa-metragem está mais para o pranto irrefreável que tentamos segurar por vergonha de quem está ao redor.
Gelsomina se sente útil como o braço direito do pai apicultor, sabendo tanto quanto ele sobre a lógica das abelhas. Concomitantemente, a menina busca do modo instintivo formas de impor a sua individualidade, de mostrar que cresce e deseja autonomia. Para balancear essa equação sensível, sem rompantes que poderiam quebrar um fluxo da naturalidade, Alice Rohrwacher conta novamente com a interpretação notável de uma jovem atriz. Maria Alexandra Lungu expõe as dúvidas, os anseios e embaraços que atingem insistentemente a personagem. Ela usa sua potência como sintoma social ao expressar o quão violento é o represamento das vontades que tendem a confrontar o estado das coisas. Frente ao pai autoritário, a pré-adolescente ora demonstra admiração, ora desconforto. Por sua vez, Wolfgang (Sam Louwyck) é uma espécie de reprodutor pouco consciente da herança camponesa ameaçada pela obsessão do progresso. Numa conversa com o vizinho agricultor ele fica visivelmente desconfortável pelo diagnóstico da necessidade de mudar. Um caminho à região, talvez, seria deixar de lado a labuta secular e apostar na exploração do agroturismo. Olhando com semelhante atenção a todos, a cineasta não elege certos e errados, assinalando do que são feitos os legados.
Como no curta-metragem Omelia Contadina (2020) – que mostra uma comunidade enterrando simbolicamente as representações de corpos rurais –, Alice Rohrwacher nos dá uma leitura pesarosa da morte iminente de certos modos de vida. A angústia que entrecorta As Maravilhas dá a entender que é preciso não se desenraizar de todo para prevalecer. No entanto, provavelmente a resposta à salvação dos valores de um lugar prestes a ser drasticamente transformado está paradoxalmente numa modificação. Não na troca dos processos de trabalho, mas na ressignificação urgente do papel feminino num espaço consagrado ao desmando patriarcal. Gelsomina não demonstra vontade de sumir, tampouco de ir à cidade grande em prol de um cotidiano menos rústico. Ela cultiva talentos rurais, sendo como as abelhas fornecedoras do mel que sustentam a família. Se continuamente explorada, vilipendiada e tratada como mero apêndice da experiência masculina, tenderá a se "extinguir". Anacrônicos ali não são os métodos laborais, mas a subalternidade/subjugação da mulher ao homem. O programa de TV que levianamente torna folclórico o patrimônio local e o menino delinquente que não consegue se expressar são dados filtrados pelo olhar da menina que não foge à tarefa de trocar o balde do melado, metáfora simples e forte do encanto da rotina que requer a sua responsabilidade.
Filme assistido online durante a 8 ½ Festa do Cinema Italiano, em junho de 2021.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 8 |
Alysson Oliveira | 7 |
Francisco Carbone | 7 |
Ailton Monteiro | 7 |
Chico Fireman | 7 |
MÉDIA | 7.2 |
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