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Sinopse

Tyler é um talentoso competidor de luta greco-romana, prestes a conseguir uma bolsa de estudos de uma universidade concorrida. Os familiares o amam e apoiam esta carreira. Pequenos conflitos, no entanto (uma lesão, problemas com a namorada), começam a afetar o garoto. Estas questões se intensificam a tal ponto que Tyler comete um gesto irracional e desencadeia uma tragédia. Depois do dia inesperado, a vida de ninguém será mais a mesma.

Crítica

A narrativa deste drama se encaixa num subgênero conhecido como “descida aos infernos”. Os personagens começam no melhor ponto de suas vidas – no caso, Tyler (Kelvin Harrison Jr.) possui uma família amorosa, com amplos recursos financeiros, além de evidente talento no esporte e uma namorada solidária. Deste ponto em diante, a trajetória do rapaz vai de mal a pior. Como num castelo de cartas, a retirada de uma pequena peça leva à ruína acelerada das demais. Devido a uma lesão, o garoto perde controle do corpo, algo fundamental ao atletismo (e à bolsa de estudos na universidade). Uma gravidez involuntária fará com que perca o controle do relacionamento amoroso – afinal, o corpo em questão não é o dele. Quando exige melhores resultados nas competições, ele perde o controle da apreciação do exigente pai. As Ondas (2019) acumula elementos de tensão em velocidade acelerada até a inevitável explosão. Curiosamente, o estopim ocorre na exata metade da narrativa, para o roteiro se dedicar então às consequências do ato na vida das pessoas ao redor. Como em Violência Gratuita (1997) ou Mãe! (2017), a narrativa parte da felicidade ao desespero.

A estrutura de gradação representa um desafio de peso à direção, ao roteiro e à montagem. Para soar orgânico, o encaminhamento dos conflitos precisa evoluir discreta e inevitavelmente, sempre acrescendo inquietude à cena anterior. Neste sentido, o diretor Trey Edward Shults se perde na articulação dos blocos. Primeiro, fornece um protagonista único e depois o abandona, expandindo a trama para meia dúzia de personagens mal desenvolvidos, nos quais se insere até o novo namorado da filha e o pai dele. Talvez a intenção seja demonstrar o quanto um conflito pessoal pode afetar um círculo amplo, no entanto o roteiro jamais equilibra o retrato da crise de cada um deles. Muito tempo após a tragédia, a mãe Catherine (Renée Elise Goldsberry) revela “ainda” estar realizando o luto, sem que tenhamos presenciado este tempo de recolhimento. O pai Ronald (Sterling K. Brown) é acusado de negligenciar a filha mais nova, Emily (Taylor Russell), durante este processo, porém tampouco testemunhamos cenas familiares capazes de sustentar tal afirmação. O namorado Luke (Lucas Hedges) surge literalmente de lugar nenhum, invadindo o enquadramento, para se tornar indissociável de Emily nas sequências seguintes. O encaminhamento é truncado, artificial. Para um retrato da dor, seria fundamental dar espaço ao silêncio e à contemplação, algo que a montagem ríspida evita a todo preço.

Na ausência de detalhamento psicológico, o cineasta se dedica à saturação estética. Nenhum personagem possui a mesma importância das cores e dos movimentos de câmera, que insistem em chamar atenção para si próprios desde a primeira cena. Os cinco vertiginosos minutos iniciais são compostos por cenas em câmera giratória, efetuando múltiplos giros de 360º dentro dos carros, nas ruas e quadras de treino esportivo. A partir deste momento, a imagem não se aquieta jamais: as brigas entre marido e esposa são retratadas com um zoom in no rosto de ambos, a tristeza de Tyler é vista por uma violenta aproximação de fora do veículo para um plano de detalhe nos olhos do rapaz, o beijo no mar se chacoalha juntos das ondas. A janela se modifica diversas vezes ao longo da trama, sem demarcação precisa entre os diferentes registros, variando de 1.33 : 1 para 1.85 : 1, 2.35 : 1 e 2.67 : 1. O diretor de fotografia Drew Daniels brinca com tilts, zooms, travellings, panorâmicas e todo tipo de deslocamento ao redor dos personagens, sobre o mesmo eixo, para dentro e para fora dos cenários, para cima e para baixo. Resta a impressão de um projeto vaidoso, cujo diretor faz questão de ressaltar sua presença em cada composição. As imagens não são feitas para os personagens, pelo contrário: são os personagens que precisam rechear as imagens para atender a enquadramentos preconcebidos.

Em paralelo, As Ondas possui um trabalho de cores e luzes tão invasivo que beira a caricatura do cinema indie – como se, em poucos filmes, a excelente produtora A24 já tivesse fornecido uma paródia de seus próprios títulos. Fumaças de cigarro dançam lentamente sob a luz alaranjado de uma fogueira, garotas de unhas laranja neon beijam rapazes sob fundos azulados, com trovões piscando ao fundo, flares invadem cada noite e dia. Mesmo uma ressaca pós-festa ganha mudanças de luz do azul para o rosa à medida que o personagem termina de vomitar. Dentro do quarto de Tyler, uma improvável cortina de tiras multicoloridas reflete diversos tons sobre as paredes. O drama possui mais decoração do que direção, como para um ensaio fotográfico de moda. Talvez Shults tenha visado a poesia da ultraestetização, porém cada equipe criativa (fotografia, som, arte) briga com as demais para introduzir elementos que chamem mais atenção ao seu trabalho. As cores fortes de filmes recentes como Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016) e La La Land: Cantando Estações (2016), com os quais este projeto guarda afinidades, são ressaltadas em níveis ainda mais intensos. Há um limite não muito tênue entre o embelezamento do cotidiano, o realismo fantástico e a espetacularização da miséria, porém o diretor não parece perceber a transição entre estes registros.

De fato, a noção de miséria resume a segunda metade da narrativa, focada ao sofrimento de todos os personagens (menos aqueles que, ironicamente, estavam mais envolvidos na tragédia central, como Tyler e a família de Alexis). A montagem acumula dez minutos consecutivos de choros, permitindo a cada familiar debulhar-se em lágrimas, inclusive aqueles que ainda não conhecíamos bem, lamentando por outros personagens que conhecíamos menos ainda (Luke e seu pai). “Everybody hurts” torna-se o lema tácito do projeto fatalista. Ao mesmo tempo, o diretor não tece qualquer comentário a respeito deste caso: seriam estas as consequências naturais de um pai-treinador que pressiona demais seus atletas (como em Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo, 2014)? Uma história comum à adolescência contemporânea sem limites (como na série Euphoria, 2019 -, também fotografada por Daniels)? Nenhuma dessas hipóteses parece plausível. Nem mesmo a condição financeira privilegiada dos protagonistas produz qualquer efeito naquela comunidade. As Ondas não sabe qual lição retirar deste melodrama, por não possuir um ponto de vista definido nem inserir o dilema dentro de uma sociedade particular. Restringe-se a tragédia ao âmbito familiar, enquanto as letras de canções tristíssimas comentam exatamente o que os personagens sentem. Face a uma abordagem estética tão agressiva, falta construir uma narrativa humana à altura.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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Bruno Carmelo
4
Francisco Carbone
6
MÉDIA
5

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