Crítica
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Sinopse
13 de dezembro de 1968. O Conselho de Segurança Nacional se reúne para promulgar o AI-5. A reunião foi gravada, mas ficou secreta por décadas. Do lado de fora, no cinema e na televisão, a ditadura elabora sobre si mesma imagens de redenção nacional.
Crítica
Tem crescido nas últimas décadas uma vertente do cinema documental baseada na manipulação de arquivos. Trata-se de um modo de enxergar e reenquadrar o passado a partir de atuais perspectivas cinematográficas, íntimas e sociais. Em A Portas Fechadas, o cineasta João Pedro Bim volta a momentos capitais do Brasil então sob o jugo da ditadura civil-militar para escancarar a hipocrisia do discurso oficial em comparação aos conluios que aconteciam longe do alcance da população. De certo modo, refletir acerca de episódios históricos como este, em que o autoritarismo se transformava em política de Estado legitimada pela aprovação de uma parcela significativa da população, se conecta com a nossa conturbada atualidade em que iniciativas intransigentes ganham popularidade e ameaçam a democracia. No entanto, o realizador não cria vínculos explícitos entre o ontem e o hoje, por exemplo, não concatenando imagens do Brasil dos anos 1970 com as recentes manifestações de apoio a candidatos extremistas com anseios tirânicos. De toda forma, a ponte está construída pelo simples fato de ele ponderar sobre um período referido pelos extremo-direitistas como instante positivo da nossa nação. João Pedro estabelece diálogo entre áudios da reunião do Conselho de Segurança Nacional que promulgou o AI-5 (endurecimento da ditadura) e propagandas do regime que visavam adoçar a população.
Assim, a propaganda de uma criança perguntando ao pai sobre o conceito de nacionalismo entra em choque com as palavras dos militares sobre a urgência de forçar a barra a fim de evitar o crescimento dos grupos contrários ao regime ditatorial brasileiro. O mais interessante de A Portas Fechadas é justamente a distância entre as falas oficiais e aquelas manifestações não assumidas publicamente. João Pedro parte do que parece ser uma minuciosa pesquisa para tensionar a relação entre público e privado, oficial e oficioso, escancarando o exercício de poder enquanto a propaganda era encarregada de amansar o povo e criar um clima de seguridade. Em nenhum momento o cineasta escancara essa hipocrisia visando atingir um efeito fácil de repulsa, por exemplo, contraponto frontalmente propagandas positivas do regime e mostrando verdades atualmente conhecidas sobre desaparecidos políticas, torturas e outras barbaridades. A operação é bem mais sutil, talvez porque o cineasta não está em busca da construção de uma indignação catártica de efeito imediato. A denúncia de uma dissimulação institucionalizada acontece de modo bem menos impactante do que reflexiva. No entanto, há uma repetição de procedimentos que torna a experiência reiterativa, algo que não parece preocupar João Pedro nessa intenção de apontar a nação sendo “vendida” à população e a manipulada nos bastidores.
Até mesmo por conta dessa reiteração dialética entre propagandas e áudios da fatídica reunião do Conselho de Segurança Nacional, A Portas Fechadas esgota rapidamente a sua capacidade de engajamento. Não há exatamente uma modulação ou um crescendo nessa justaposição entre sons e imagens, mas um tom predominante que em alguns instantes parece aceitar (ou incorrer voluntariamente na) sua monocórdia. Embora seja um filme relativamente curto (66 minutos), ele é uma experiência cansativa justamente pelo modo como estabelece as relações discursivas entre os fatos e as maquiagens institucionais. Por exemplo, enquanto vemos a peça publicitária em que o Brasil é enxergado como país do futuro (slogan que parece quere protelar sempre essa expectativa de desenvolvimento), ouvimos militares confabulando sobre o ato que transformaria a nação num território praticamente sitiado onde as liberdades individuais e mesmos os poderes moderadores estariam em frangalhos em prol da manutenção da governabilidade. Há certos resgates que possuem carga retórica em si, como quando contemplamos o comercial que festeja o progresso da nação a partir da construção da rodovia Transamazônica ao custo da derrubada de uma quantidade enorme de mata nativa. João Pedro não precisa colocar outro fragmento de passado para atribuir valor a este, pois essa falta de respeito à natureza hoje nos parece absurda.
As imagens da redenção nacional produzidas pela ditadura podem ser enxergadas na atualidade como indícios de como o discurso hegemônico tende a ser manipulado por quem detém o poder da máquina pública. No entanto, vivemos numa época em que essa noção de manuseio dos fatos em prol de um projeto político atingiu outro nível, vide as noções de verdade sendo cada vez mais nebulosas. Então, o que enxergamos em A Portas Fechadas é uma espécie de embrião dessa utilização dos meios como escudo e propagador de mentiras. Muito embora João Pedro Bim não faça qualquer esforço para correlacionar diretamente o fatídico fim dos anos 1960 com a atualidade, basta termos um pouco de senso crítico e clareza histórica para percebermos o caráter cíclico desse tipo de inciativa. Uma pena que, cinematograficamente falando, o filme careça de variações e se esgote tão velozmente, não provocando efeitos diferentes em seu quadragésimo minuto do que havia feito nos seus dez primeiros minutos, por exemplo. Os raciocínios aos quais o filme chega são basicamente os mesmos durante a sua pouco mais de uma hora, ou seja, não há uma variedade de conclusões ou mesmo um entendimento diverso de tudo aquilo. Somente uma repetição competente, mas um pouco cansativa, exatamente pela reiteração, dessa distância sintomática entre a publicidade e a realidade. De toda forma, trata-se de louvável esforço de investigação para extrair dos arquivos o que eles têm de reveladores.
Filme visto durante o 19º CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, em junho de 2024
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