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Crítica


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Sinopse

Mesmo que tenham se conhecido na noite anterior, por intermédio de um aplicativo de relacionamentos, Marion e Ben gostam tanto do primeiro encontro que decidem fazer uma viagem em casal. Apesar de terem outros planos de férias com os amigos e familiares, abandonam as reservas e decidem partir para a Bulgária. No país desconhecido, as diferenças entre ambos se tornarão evidentes e testarão o casal recém formado.

Crítica

Os primeiros rumos dessa comédia romântica são interessantes, porém enganosos. Ben (Jonathan Cohen) discute com a mãe sobre a configuração do iPad e briga com o irmão por causa da senha do WiFi, enquanto do outro lado da cidade, Marion (Camille Chamoux) é provocada pelos amigos sobre seus encontros no Tinder. Em menos de cinco minutos, o roteiro faz diversas referências ao mundo conectado e virtual, dando a entender que o projeto se baseia nas confusões tecnológicas para extrair humor, analisando as novas formas de relacionamento no século XXI. Ora, assim que Ben e Marion se encontram, toda referência aos celulares desaparece. A confusão dos amigos barulhentos, a intromissão familiar e os diálogos ágeis, com pessoas se provocando ao mesmo tempo, somem do filme. É curioso que os roteiristas Patrick Cassir e Camille Chamoux invistam de maneira tão ostensiva num subgênero sem a pretensão de explorá-lo a fundo.

Privilegia-se então os cânones tradicionais dos filmes de férias em casal, com o acréscimo de os protagonistas decidirem viajar juntos poucas horas depois de se conhecerem. A narrativa explora os conflitos convencionais nesse caso: a oposição completa entre personalidades (ele é neurótico e urbano; ela, despojada e aventureira), os erros de percurso (eles pegam um ônibus para a cidade errada), as dores de barriga com a comida da Bulgária, a dificuldade de comunicação, os encontros inesperados com tipos loucos etc. O país é visto pelo prisma do exagero, entendido como concessão necessária à comédia: os búlgaros se tornam pessoas caipiras demais, beirando o selvagem e incivilizado ou, pelo contrário, tão servis que se aproximam do senso de inferioridade. Acrescenta-se o fato de que uma cartunista sem trabalho fixo e um jovem funcionário podem escolher partir para qualquer país do globo, sem pensar a dificuldades financeiras, mesmo quando são roubados. Não se trata de um mundo realista, mas quem deseja realismo num cinema escapista por excelência?

As Primeiras Férias Não se Esquece Jamais (curiosa alternativa ao título original “Primeiras Férias”) depende bastante de diálogos e reações epidérmicas de seus dois atores, que são de fato muito bons tanto para o humor pastelão quanto para os momentos românticos. O roteiro cria algumas falas longas, atropeladas, que ambos manejam bem. Enquanto Jonathan Cohen faz o seu melhor para criar algum tipo de frescor a uma cena de diarreia, Camille Chamoux se esforça em dar credibilidade à cartunista que visivelmente não sabe desenhar, e que precisa bancar a ingênua diante do garanhão búlgaro que se aproxima. Talvez o problema com esse tipo de comédia popular venha do fato de se apoiar na idealização dos problemas: não basta que a culinária local seja estranha, ela precisa parecer nojenta. Não basta que o AirBnB se encontre num local inóspito, ele precisa ser um verdadeiro chiqueiro. Em nome do humor, tudo se transforma em caricatura, o que certamente não favorece o olhar de uma cultura estrangeira. Não seria surpreendente se espectadores búlgaros se incomodassem com sua representação em tela – algo próximo de um retrato do Brasil limitado a tiroteios, mulheres seminuas e malandros, por exemplo.

Assim, o humor inicialmente focado na crônica – olhares cotidianos a problemas humanos – transforma-se em humor de situações exteriores à trama: novos personagens chegam com frequência para fazer Marion e Ben reagirem, colocando ambos em posição de pouca autonomia narrativa. Uma cena exemplar a este respeito se encontra no momento pastelão à beira da piscina (algo digno de um filme de Leandro Hassum ou Adam Sandler): uma mulher histérica aparece gritando com a dupla, provocando-os, até parte considerável dos envolvidos na briga terminar encharcado. Cassir e Chamoux não percebem que a premissa – um casal recém-formado e impulsivo, viajando a um país desconhecido – traria inseguranças cômicas por si própria, sem a necessidade do apelo a recursos tão fáceis e desgastados do gênero (o que inclui testículos presos em roupões de banho). Talvez a dificuldade em se identificar com a dupla provenha de seu deslocamento em relação a pessoas verossímeis: quase nenhuma pessoa real se revelaria tão paranoica quanto Ben, nem tão inconsequente quanto Marion.

Rumo ao final, adota-se o desfecho esperado da linha temporal de uma comédia romântica. Em nome do amor, conflitos de aparência insolúvel resolvem-se quase literalmente num passe de mágica. Embora se baseie numa estrutura naturalista – os locais existem, as situações poderiam acontecer, ainda que aumentadas em grau e frequência -, o discurso da comédia romântica às vezes se torna muito mais fantástico do que fantasias assumidas como tais. Acredita-se que as coisas acabam por se arrumar sozinhas, em questão de tempo, razão pela qual o lado romântico do espectador pode ficar tranquilo quanto às suas perspectivas de sucesso afetivo. Afinal, uma pessoa pode lhe aparecer à porta com oferta de carinho, viagens e um barco batizado em nome da história de ambos. Isso pode soar absurdo, mas As Primeiras Férias Não se Esquece Jamais opera dentro do mecanismo do amor salvador e inevitável, espécie de destino dos protagonistas, unidos desde a primeira cena pela montagem paralela. O cinema pode optar entre olhar para o mundo e refletir como ele é, ou virar os olhos e imaginar como ele poderia ser. Aqui, escolhe-se a segunda opção.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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